O problema de um sistema de transporte centrado no carro

17 de fevereiro de 2023

Atualmente, muitas cidades brasileiras dependem do carro particular como meio de transporte. Mas, por que isso acontece? É uma questão do tipo ovo ou galinha, onde, depois de um pouco de investigação, é fácil notar um ciclo vicioso que retroalimenta a dependência das nossas cidades ao automóvel. A equipe da TUMI nos fez um grande favor ao passar para o papel essa ideia:

carro
Imagem: Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI) – Own work, CC BY-SA 4.0.

É difícil apontar o começo do ciclo, mas uma boa hipótese é “Increase of car traffic”. Com o aumento do tráfego automóvel, temos um aumento da poluição atmosférica, sonora e da insegurança viária, causando uma degradação da qualidade de vida urbana e consequente suburbanização.

As famílias querem “fugir” da cidade e viver mais longe, distante do caos urbano causado pelo carro (que elas próprias dirigem…). Então, como vão viver longe, acabam por, ironicamente, precisar usar ainda mais o carro para cobrir essas longas distâncias, forçando, assim, ao desenvolvimento de políticas de uso do solo orientadas para o uso do carro como meio de transporte principal, o chamado “automobile-oriented land-use planning”.

Ora, a adoção generalizada dessas políticas “espaçosas”, ou seja, que se baseiam no carro como escala urbana, aumentam ainda mais as distâncias, espalhando ainda mais a mancha urbana da cidade. Por sua vez, o aumento das distâncias justifica, mais uma vez, a necessidade do carro. Como tudo é longe, o carro acaba por ser a melhor alternativa, ou a menos pior.

No fundo, o carro é um devorador de espaço urbano. Assim como um aeroporto é grande e “pouco humano”, pois é feito, primeiramente, para receber aviões — o avião é a “escala base” do aeroporto —, uma cidade feita sobre a escala do carro torna-se invariavelmente espalhada, pois a infraestrutura para o carro ocupa muito espaço.

Isso nos leva ao próximo ponto do nosso ciclo, “Automobile-oriented transport-planning”. O planejamento do sistema de mobilidade torna-se monomodal. A partir do momento que uma cidade incentiva/subsidia, direta ou indiretamente, o automóvel e marginaliza os outros meios de transporte, ela passa à população uma mensagem subliminar: usem o carro, pois os outros meios de transporte não servem. Assim, o ciclo se fecha. Voltamos ao início, com o “Increase of car traffic”.

Há, ainda, um sub-ciclo atuando no nosso ponto inicial: o ciclo da demanda induzida. A demanda induzida, conceito baseado no Paradoxo de Braess (similar ao de Jevons), nos diz que, com o aumento do tráfego automóvel, há um aumento no congestionamento que, por sua vez, justifica investimentos em infraestrutura viária que, por sua vez, diminuem os tempos de viagem a curto prazo, mas, a longo prazo, promovem ainda mais o uso do carro!

Mas, é possível quebrar este ciclo vicioso? Claro que sim, e muitas cidades já conseguiram! Nós podemos falar de exemplos clássicos, como Amsterdã que, em 1970, era diariamente invadida por automóveis, congestionando a cidade. Ou de Londres com o seu sistema de pedágio urbano combinado com uma rede excelente de transporte público. Ou mesmo de Pontevedra, uma pequena cidade na Galiza, Espanha, que baniu os carros do centro histórico há 23 anos atrás!

Ou de exemplos mais recentes, como Lisboa, Portugal: em 10 anos, o uso da bicicleta como meio de transporte cresceu 500%, com maior ênfase onde foram feitas ciclovias. Build it and they will come, am I right?

Bem-vindos à minha coluna!

Nesta coluna quinzenal, vou falar sobre vários temas ligados à mobilidade urbana e transportes. Quero compartilhar com os leitores experiências de cidades no Brasil e no exterior que apresentam alternativas e soluções para os problemas e desafios no século XXI. As novas tecnologias, a digitalização da mobilidade e a Mobilidade como Serviço (MaaS) serão também abordados neste espaço. Muito obrigado e um abraço!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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