Durante a conferência internacional do Council on Tall Buildings and Urban Habitat – CTBUH (agora Council on Vertical Urbanism – CVU) em Toronto, o anúncio do prêmio de Melhor Edifício Alto do Mundo em 2025 trouxe uma escolha surpreendente, e ao mesmo tempo simbólica. O vencedor não foi o mais alto, nem o mais novo, mas um edifício que renasceu: o ZIN in No(o)rd, de 30 andares e 111,3 metros de altura, em Bruxelas.
O projeto reconstrói duas edificações modernistas dos anos 1970, antigas sedes administrativas, convertendo-as em um conjunto de uso misto com escritórios, habitação, hotel e equipamentos públicos. Os escritórios 51N4E e Jaspers-Eyers Architects, em parceria com a engenharia Greisch, optaram por preservar parte substancial da estrutura original, incluindo os núcleos, fundações e níveis subterrâneos das antigas edificações. Cerca de 65% do conjunto foi reabilitado, e 30 mil toneladas de concreto desmontado foram reaproveitadas na nova construção.
Mais do que uma façanha técnica, o ZIN in No(o)rd representa um reposicionamento cultural. Ao premiar um retrofit, o CVU reconhece que o valor de um edifício não está apenas na forma ou na altura, mas na sua capacidade de continuar útil, de se transformar sem se apagar. É a tradução prática de uma ideia que vem ganhando força nas cidades: a segunda vida dos edifícios.
A arquitetura que se perpetua é aquela que admite revisões, acréscimos e novas interpretações. O ZIN é um exemplo dessa permanência adaptável – um edifício que aceita o tempo como parte do projeto. Ele demonstra que reabilitar pode ser tão desafiador quanto construir, exigindo precisão técnica, inteligência de projeto e sensibilidade urbana.
Ao mesmo tempo, ele marca o amadurecimento de uma outra transição: o fim dos arranha-céus no estilo internacional. A era em que edifícios altos de vidro escuro e aço se multiplicavam mundo afora, quase idênticos entre si, começa a ceder lugar a uma arquitetura mais contextual, híbrida e consciente do seu entorno. O edifício alto não precisa ser o mesmo em todo lugar. Ele pode expressar as particularidades de cada cidade e refletir diferentes formas de vida.
O prêmio mundial foi decidido entre os vencedores regionais de cada continente. Nas Américas, o destaque foi o Ontario Court of Justice, em Toronto; na Ásia, o The Henderson, em Hong Kong; no Oriente Médio e África, a Ciel Tower, em Dubai; e na Oceania, o 1 Elizabeth, em Sydney. Todos representam, à sua maneira, a diversidade contemporânea da verticalização, em que desempenho, identidade e contexto passam a caminhar juntos.
No entanto, o projeto belga se sobressai por outro motivo: ele amplia a noção de desempenho urbano. Um edifício que emite menos porque reaproveita o que já existe, que se renova sem consumir o solo e que transforma um par de edificações obsoletas em espaços novamente ativos e habitados. É um gesto que alia responsabilidade ambiental e continuidade urbana – princípios que definem o espírito desta década.
O ZIN in No(o)rd mostra que a arquitetura em altura também pode ser um exercício de continuidade. Às vezes, um edifício alto não precisa nascer de novo para ser relevante. Talvez esse seja o maior ensinamento do projeto para além da Bélgica – inspirar os inúmeros programas de reabilitação e retrofit que hoje tentam devolver vitalidade aos centros históricos das cidades brasileiras. O que em Bruxelas se tornou referência mundial pode servir, aqui, como exemplo de que o futuro urbano também se constrói a partir do que sobreviveu.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.