Após mais de três anos da sanção da Lei Complementar nº 930, foi publicado o decreto que regulamenta o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre (PRCHPA). É uma boa notícia. Trata-se de uma tentativa concreta — e agora oficializada — de transformar em realidade a tão discutida revitalização do Centro da cidade.
O novo marco normativo não apenas estabelece gabaritos máximos — com alturas que chegam a 130 metros —, mas também desenha mecanismos de incentivo para a transformação morfológica, social e ambiental da região.
Como urbanista, celebro a regulamentação. Como cidadão, lamento o atraso. Um plano que depende de investimento privado precisa de segurança jurídica e previsibilidade. Nesse intervalo, muitos projetos ficaram em compasso de espera. Outros, nem sequer iniciados, pela incerteza.
Como já comentei em uma coluna anterior, projetar no Centro era, até então, como mirar em alvo móvel. Agora, ao menos, o tabuleiro está desenhado.
Não por acaso, começam a surgir projetos alinhados a essa nova etapa normativa. Um exemplo é o edifício de 98 m de altura, recém-divulgado, que será construído em frente ao Cais Mauá. Ele materializa a possibilidade de uma nova relação entre arquitetura, cidade e espaço público no Centro Histórico.
Mas um plano não se concretiza apenas com regras. Precisa também de diretrizes claras e suporte técnico. O decreto avança nesse sentido ao introduzir o conceito de gabarito-lote — uma forma flexível de adequar propostas à lógica do quarteirão — e ao condicionar os benefícios do programa à adesão voluntária, mediante contrapartidas urbanísticas. Recuos inclinados, fachadas ativas, usos mistos, sustentabilidade e segurança: o regulamento estabelece um caderno de encargos urbanísticos com potencial transformador.
Entretanto, o desafio agora é outro: como operacionalizar tudo isso com eficiência e clareza?
O detalhamento técnico do decreto exige leitura atenta e domínio do vocabulário normativo. Sem apoio institucional, pode afastar exatamente quem o programa deseja atrair. Nesse ponto, uma sugestão: a prefeitura poderia lançar um Guia de Orientação Projetual, com diretrizes visuais e parâmetros urbanísticos por tipologia, contexto e impacto. Um documento que vá além da norma — propondo recomendações claras para inserção de novas edificações, transições de escala e integração com o espaço público. Afinal, as edificações de outrora demonstram exemplarmente essas características.
Cidades como Toronto, Vancouver, Londres e Melbourne já adotam esse tipo de abordagem, com manuais visuais que facilitam a interlocução entre setor público e iniciativa privada, encurtando o caminho entre o plano e o projeto. Um manual assim — ilustrado, acessível e orientado ao projeto — pode fazer mais pela transformação do Centro do que uma centena de artigos bem-intencionados.
A experiência internacional mostra que revitalizações bem-sucedidas dependem não só de legislação inteligente, mas também de clareza na comunicação e agilidade na aprovação. Medellín, Barcelona e Seul não reabilitaram suas áreas apenas com decretos — mobilizaram forças técnicas, sociais e econômicas com propósito e coerência.
O Centro Histórico tem agora um bom ponto de partida. Mas o decreto não pode ser tratado como ponto de chegada. A reabilitação do Centro também depende da qualidade daquilo que o poder público entrega — e nesse aspecto, as obras do quadrilátero central ainda não correspondem à ambição do plano. Que a regulamentação sirva não só para destravar novos empreendimentos, mas também para elevar o padrão das intervenções públicas, das decisões de projeto e da própria cultura urbana. Porque reabilitar não é apenas permitir construir mais — é construir melhor.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.