Terra Mãe e os direitos dos povos indígenas

19 de maio de 2023

A terra que abriga, acolhe e produz ao longo de décadas vêm sendo destruída, florestas perdidas, rios poluídos. Intervenções crescentes são realizadas, sem estudos e/ou análises de impacto ambiental e a terra, pequenos pulmões territoriais entram em colapso.

Os povos originários lutam pela demarcação das terras por sobrevivência e por direitos básicos, desempenham um papel crucial na preservação ambiental no Brasil, devido à sua profunda conexão e conhecimento tradicional da fauna e flora.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a maneira como a casa era utilizada, dividida e construída refletia o jeito que os moradores tinham de organizar e se enxergar no mundo. Além disso, as construções variavam de acordo com o modo de vida, o clima, o tipo de ambiente e os materiais de que os grupos dispunham para a construção.

A riqueza da arquitetura, ainda que simplória, encontrava-se na escolha dos materiais sem impacto negativo ao meio ambiente, entretanto, com o surgimento das pequenas e grandes cidades e do processo de colonização no Brasil, passaram a ter influências externas, principalmente do hemisfério norte, a partir da cópia, da produção de um modelo de vida, de habitar e construir com um olhar europeu, perdendo constantemente as raízes da cultura brasileira.

De acordo com o Estatuto dos povos indígenas (Lei n.º 6.001, de 19/12/1973) cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:

I – estender aos povos indígenas os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação;

II – prestar assistência às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional;

III – respeitar, ao proporcionar aos povos indígenas meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;

IV – assegurar aos povos indígenas a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;

V – garantir aos povos indígenas a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;

VI – respeitar, no processo de integração dos povos indígenas à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

VII – executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;

VIII – utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais dos povos indígenas, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento;

IX – garantir às comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

X – garantir aos povos indígenas o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem.

Na prática, a defesa pelos órgãos federais foi muito deficiente até 1988, quando pela nova Constituição brasileira foi reafirmada e ampliada a competência do Ministério Público Federal para a defesa dos direitos dos povos originários. Até então essa defesa havia ficado na dependência das iniciativas do órgão federal incumbido do exercício da tutela indígena, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que, além de ter sido escandalosamente omissa, muitas vezes promoveu e apoiou ações públicas e privadas contrárias aos direitos dos povos indígenas. (ABREU, Dalmo, 1991 — Reconhecimento e proteção dos direitos dos índios)

A exemplo disso, o Instituto Socioambiental (ISA) relata que em maio de 2023, um grupo de indígenas ocuparam uma obra num condomínio de luxo por terem invadido terras que pertencem à Reserva Indígena de Dourados (MS) e abriga cerca de 15 mil pessoas. A área que está pendente de demarcação como território indígena foi cedida para a construção de um condomínio de luxo.

As terras, sendo estas públicas ou privadas, são elementos de suprema importância para a dinâmica urbana, pois aí se manifesta a vida da cidade. Muitos deles, entretanto, ainda possuem destinação pouco definida, como é o caso das APPs urbanas (áreas de preservação permanentes), que, embora com sua funcionalidade estabelecida pela legislação ambiental, poderiam transformar-se em espaços com maior significado social, por meio de uma discussão mais ampla entre comunidade e Poder Público sobre sua destinação.

A drenagem urbana, diretamente relacionada com as APPs e os sistemas de espaços livres, dificilmente é tratada tecnicamente de forma integrada. A poluição dos corpos d’água por esgotos domésticos e despejo de resíduos limita o uso de suas margens, e passa uma imagem negativa de rios, lagos e lagoas para a população.

Um urbanismo sensível e inclusivo deveria caminhar para entender os desafios territoriais, levando em consideração o direito dos povos indígenas que ainda são desvalorizados. A recuperação ambiental, cria bairros mais sustentáveis por meio da renaturalização dos rios, e a preservação das terras e florestas, visando, em especial, os benefícios sociais, estimulando a vitalidade, segurança da população e reduzindo os desequilíbrios climáticos intraurbanos, tais como o excesso de aridez, o desconforto térmico e ambiental, e o efeito “ilha de calor”.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e ativista urbana, pós graduada em urbanismo social e habitação e cidade, mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, atua com a gestão de projetos e ações sociais em territórios periféricos no Instituto Fazendinhando.
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