A proposta de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre finalmente veio a público e representa um corte necessário com as amarras normativas que há décadas travam o desenvolvimento da cidade. Depois de anos regulando a forma urbana com um emaranhado de restrições, a nova legislação flexibiliza dispositivos engessados da história recente do urbanismo porto-alegrense.
A começar pela limitação de altura. Por muito tempo, os edifícios estiveram submetidos a um teto de 52 metros – uma regra arbitrária que ignorava a estrutura viária, o entorno e a infraestrutura existente. A nova proposta rompe com esse limite, permitindo construções de até 90 m em diversas zonas, chegando a 130 m no Centro Histórico e até mesmo sem limite predefinido em alguns casos, desde que respeitados parâmetros técnicos e contrapartidas. Um avanço que não é ousado, mas necessário.
Outra mudança está no cálculo do coeficiente de aproveitamento. Sai o modelo que dividia os terrenos em área adensável (Ad) e não adensável (NAd). Entra um sistema mais direto, em que o coeficiente incide sobre a totalidade do lote, simplificando o cálculo e dando ao desenvolvedor liberdade para decidir como e onde usar o potencial construtivo. Mais que isso: os índices máximos sobem em diversas regiões da cidade.
Também foram revistas as regras de afastamento entre edificações. Antes, os recuos podiam chegar a até 25% da altura construída, obrigando o uso de grandes terrenos até mesmo para prédios de 52 metros. O resultado era um tecido urbano esgarçado, com vazios e pouco adensamento real. A nova legislação reduz esse limite para 18%, retomando o parâmetro de 1999. Embora represente um avanço, a mudança ainda está longe de resolver a questão.
Uma alternativa mais eficaz seria substituir o afastamento fixo por critérios de desempenho de luz solar, exigindo, por exemplo, que cada fachada receba um mínimo de horas de sol por dia. Seria uma forma mais justa e flexível de garantir qualidade ambiental sem comprometer a densidade.
Esses ajustes colocam Porto Alegre mais próxima de uma racionalidade urbanística contemporânea. A questão é que chegam tarde. Já não se trata de uma cidade em expansão, mas de uma metrópole que precisa ser adaptada à sua realidade social e demográfica. Porto Alegre já não cresce – e o plano precisa reconhecer isso com mais profundidade.
Mais do que regras aplicadas a grandes zonas, a cidade precisa de olhar miúdo, de instrumentos capazes de operar lote a lote, quadra a quadra, negociando preexistências, vocações e oportunidades. É verdade que a revisão propõe uma redução expressiva no número de zoneamentos e isso é um passo importante rumo à simplificação. Mas a lógica ainda se baseia em categorias fixas e modelos padronizados.
Já comentei por aqui sobre modelos baseados em diretrizes, em que se abandonam fórmulas rígidas e se exige apenas a comprovação de que certos resultados – insolação, ventilação, permeabilidade – serão de fato alcançados.
Porto Alegre avança, e o trabalho está, em grande parte, bem feito. A revisão retira amarras do passado e aponta caminhos mais racionais para o desenvolvimento urbano. Mas chega com atraso. A capital gaúcha merece mais do que uma correção de rumo: merece um urbanismo capaz de reagir com agilidade às suas transformações. Que este seja apenas o começo de um ciclo mais responsivo e que não leve outros 15 anos para que novos avanços sejam discutidos.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.