Minneapolis e Saint Paul localizam-se às margens do Rio Mississipi, em margens opostas e são, por isso, conhecidas de “cidades gêmeas”. Ficam no estado de Minnesota, norte dos EUA, lá nas pradarias, habitat natural de boa parte das obras daquele que foi um dos maiores — e mais inspiradores — arquitetos, Frank Lloyd Wright.
Pois bem, até uns 3 anos atrás, qualquer um que quisesse fazer um novo prédio teria que lidar com um cipoal de regras e exigências para vagas de estacionamento, como por exemplo disciplinar a quantidade de vagas por apartamento: apartamentos pequenos, uma vaga; apartamentos maiores, duas ou mais, obrigatório. Não apenas os escritórios e apartamentos, mas também os campos de golfe: um mínimo de 4 vagas por buraco para campos grandes, uma vaga por buraco para instalações de mini-golfe.
Atualmente, as regras e exigências já não existem, passando de obrigatórias a opcionais, sujeito à vontade e conveniência do empreendedor. Os resultados já podem ser avaliados, com redução nos custos das unidades produzidas, e da constatação que, em muitos casos, o custo de produzi-las (vagas) supera o valor agregado ao imóvel, aumentando o custo, mas sem aumentar o valor.
A eliminação da obrigação faz todo o sentido e, de quebra, expõe uma questão interessante, que ajuda a explicar a má vontade do gestor público com sistemas de metrô e bondes (transporte público sobre trilhos).
Imagine se, em todo e qualquer parcelamento de solo ou loteamento, o ônus de doar a terra e produzir o sistema viário fosse do empreendedor (e não do poder público), que precisa executar segundo as exigências do poder público municipal. Pode parar de conjecturar ou de imaginar, porque é exatamente assim que acontece.
Então, não custa nada para o município produzir o sistema viário inicial, assim como não custa nada ao município encher as ruas com — muitos — carros. Afinal, são os usuários que, quando não encontram o sistema de transporte que precisam, fazem os investimentos nos carros.
O sistema viário só começa a demandar recursos e atenção do município quando, por ausência ou insuficiência de transporte público decente, abrangente e bem dimensionado, começa a exigir reparos, ampliações e “obras de arte” (acho muita graça todas as vezes em que usamos “obras de arte” para falar de viadutos e trincheiras, coisas medonhas e absurdamente caras).
Entendeu? O poder público não coloca um centavo no sistema viário nem no meio de transporte mais usado, o carro particular, mas ao mesmo tempo também não faz investimentos tempestivos e adequados (quando faz algum) em transporte público sobre trilhos (o único que realmente dá conta das metrópoles).
O município sabe que é apenas uma questão de tempo para a coisa deixar de funcionar, quando — então — dará início a um programa de grandes remendos, “obras de arte” e intervenções mirabolantes, tudo bem simuladinho num software, coloridinho, que mostra os carrinhos se movimentando como uma colônia de formigas. Coisa linda de ver, mas que nunca funciona direito, já que o motorista “teima” em não se comportar como previsto pelo software.
Explico porque raramente funciona como previsto: na ausência de grandes “artérias” e corredores largos, cada motorista “inventa” o seu caminho preferido para reduzir a viagem e fugir dos congestionamentos. Quando o município cria os grandes corredores, cheios de pontes, viadutos e trincheiras (e coloca restrições de acesso às vias locais), os motoristas adotam as vias reformadas e ampliadas, que rapidamente… estão congestionadas. “Enxugar gelo” seria uma figura de linguagem bastante apropriada para esse processo.
O estranho é que seja repetido ad nauseam nas cidades brasileiras, como se a insistência em enxugar gelo pudesse, em algum momento — e contrariando a física — realmente secar o gelo.
Se precisar resumir, o negócio acontece assim: o empreendedor banca o sistema viário e a infraestrutura, e o poder público só olhando; cada cidadão, frente à insuficiência de transporte público, gasta o que não devia para inundar o sistema viário de carros transitando (a maioria com o motorista, apenas); quando o sistema colapsa, o poder público começa a investir pesado em remendos e soluções de curto prazo, esgotando os recursos disponíveis para um sistema de transporte público sobre trilhos, abrangente e inclusivo. E assim sucessivamente. Vai entender…
Tem algo errado aí ou eu perdi alguma coisa?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.