Oferta e demanda, mercado, PIB, inflação, gráficos, equações. Os conceitos e métodos utilizados pelos economistas podem parecer bastante abstratos ou de difícil compreensão para quem não é especialista na área.
Até por isso, um dos baratos de estudar os aspectos econômicos das cidades, onde de fato a vida acontece, é poder observar de forma mais concreta a relação entre a teoria econômica e o desenvolvimento urbano.
A famosa imagem da favela de Paraisópolis ao lado de condomínios de luxo no bairro do Morumbi, em São Paulo, é mundialmente reconhecida como um retrato da desigualdade social brasileira.
Provavelmente por ser economista, minha interpretação dessa fotografia vai um pouco além: para mim, ela é uma excelente representação da oposição entre o livre mercado na sua forma mais pura e o excesso de intervenção estatal, dualidade sempre em voga no debate público. Explico:
À esquerda, temos um bairro no qual a população chegou antes do poder público e cresceu à revelia do planejamento urbano. Pela imagem, é possível notar que praticamente não há áreas livres, o aproveitamento do espaço para comércios e moradias é maximizado, resultando, inclusive, na maior densidade populacional do país – mesmo sem a presença de enormes torres.
Segundo dados do IBGE, vivem ali mais de 40 mil pessoas por quilômetro quadrado, número dez vezes maior do que o registrado no distrito vizinho do Morumbi.
Por outro lado, grande parte das vias é muito estreita, comprometendo a mobilidade, há pouco verde, faltam áreas de lazer, muitas moradias são precárias e o bairro carece de infraestrutura básica.
No Morumbi, por sua vez, o que não faltam são áreas livres, com grandes construções em que vivem relativamente poucas pessoas – reflexo, em certa medida, do planejamento urbano.
O bairro, predominantemente residencial, que já foi um dos mais valorizados da cidade, hoje convive com a dependência do automóvel, os congestionamentos, a violência, a sensação de insegurança e viu sua população diminuir na última década.
Construídos e ocupados a partir de normas urbanísticas e leis de zoneamento restritivas, os imóveis do Morumbi sofrem hoje com a desvalorização e claramente não conseguem acompanhar as transformações da dinâmica urbana, correndo sérios riscos associados à degradação e ao abandono decorrentes de altos custos de manutenção e das atuais tendências demográficas.
Em tempos de polarização, temos aqui, portanto, uma importante lição: não é o livre mercado na sua forma mais pura nem a planificação estatal que serão capazes de criar lugares bons e acessíveis para se viver.
O estabelecimento de padrões menos restritivos de construção, uso e ocupação, por um lado, parece fundamental para incentivar um melhor aproveitamento do espaço urbano e um maior crescimento da oferta de moradia, particularmente nas áreas mais dotadas de infraestrutura, empregos e serviços – onde a demanda é maior e os preços, consequentemente, são mais elevados.
O bom planejamento urbano, por sua vez, é indispensável na oferta adequada de bens públicos, transporte, infraestrutura e moradia social, bem como na mitigação de riscos e no combate a externalidades negativas, como as decorrentes do uso massivo do transporte individual motorizado.
Encontrar esse equilíbrio me parece fundamental para diminuir o abismo hoje existente entre a cidade formal e a informal, frear o crescimento populacional nos extremos da cidade e reduzir a segregação socioespacial tão característica de São Paulo e outras tantas capitais brasileiras.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.