O debate sobre planejamento e habitação adormeceu na varanda?

3 de junho de 2023

As varandas são um elemento arquitetônico muito antigo, sua origem remontando a séculos atrás. Acredita-se que tenham surgido na Ásia (no Extremo Oriente ou no Oriente Médio), onde eram utilizadas como espaço externo para descanso e alívio do intenso calor.

No Brasil, devido ao clima predominantemente tropical e subtropical, com altas temperaturas e incidência de luz solar intensa, as varandas desempenham um papel importante na promoção do conforto térmico nas edificações. São geralmente projetadas como espaços abertos, semiabertos ou fechados. E proporcionam sombra e ventilação, bem como um local para relaxamento ao ar livre. 

As varandas podem ser encontradas em diversas tipologias arquitetônicas brasileiras, desde as casas coloniais e sobrados antigos até os edifícios modernos. Hoje em dia, sua função ainda é fundamentalmente a mesma: fornecer uma área externa protegida dos elementos naturais. Mas seu protagonismo nas discussões de moradia e planejamento urbano tem aumentado!

Exemplo recente. Na 40.ª edição do seminário Motores do Desenvolvimento (Natal/RN), promovido pelo Sistema Tribuna do Norte no último 11 de maio, Jader Filho (Ministro das Cidades) afirmou: “[Lula] exigiu que as moradias do programa Minha Casa Minha Vida tenham varandas […] Ele diz que o programa tem de levar dignidade, ajudar a diminuir as desigualdades do país”. 

A julgar pela fala, é lícito supor que a construção de varandas se transformará em regra incontornável para construção de empreendimentos de moradia popular no país. Ao mesmo tempo, o Plano Diretor de São Paulo, acompanhado pelos planos de várias cidades do Brasil, incentiva a construção de varandas em empreendimentos ao não considerar essa área para o cálculo de coeficientes de aproveitamento. 

Na capital paulista, 5% da área do terreno pode ser usada como área de varandas não computáveis por pavimento, não importando o número de torres ou de unidades. Mas é um uso restrito: somente varandas! Foi esta a causa da generalização das varandas gourmet: como elas não são levadas em consideração para o cálculo da área construtiva, tem cabido aos empreendedores aproveitar esse “benefício adicional” da melhor forma possível.

Para não deixar o debate “dormir” na varanda…

Independente do padrão da edificação em debate, do eventual populismo do Presidente ou dos legisladores paulistanos, as varandas vêm aparecendo como protagonistas enquanto questões mais importantes são evitadas: em primeiro lugar, será que todo mundo deseja ter varandas? Em segundo: elas fazem sentido em todos os lugares do Brasil? Em terceiro: as varandas melhoram a qualidade das edificações na cidade de São Paulo? E a lista segue…

Finalmente: varanda ou não varanda é uma questão significativa se comparada à urgente e penosa realidade de que há um déficit habitacional de 5,9 milhões de moradias no país? 

Será que estamos sendo distraídos do que realmente importa nos debates nacionais sobre planejamento urbano e habitação urbana? Convém refletir para evitar que as atenções e os diálogos entre tomadores de decisão se dispersem com temas secundários.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbansita, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo e da PYPA Urbanismo & Desenvolvimento Urbano em Natal-RN. ([email protected])
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