Nos últimos anos, testemunhamos a falência das passarelas de pedestres nas cidades – que chamamos de passarelas anti pedestres, inspiradas por nossos colegas mexicanos. Em 2009, a população carioca festejava a demolição da passarela do Obelisco na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema. O projeto era tão absurdo que a passarela, apesar de ter degraus na sua estrutura, não tinha nada que a ligasse no chão – o que fazia com que os pedestres não pudessem atravessá-la. Tal estrutura foi parte do projeto Rio Cidade dos anos 90, e a passarela foi implementada para ser um marco e um mirante ao Obelisco, mas o efeito era a degradação das calçadas e uma sensação ruim para quem passava a pé.
Quinze anos depois, ainda há várias passarelas de pedestres que são verdadeiros elefantes brancos. Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador… são diversas as cidades que têm notícias de passarelas de pedestres construídas com milhares de reais, mas que viraram estruturas inúteis. Recentemente, a Prefeitura do Recife anunciou que, sem saber o que fazer com a Passarela do Pina, vai transformá-la em uma biblioteca digital que oferecerá aulas de TI, mediação de leitura e uso da tecnologia, robótica e outros serviços de educação voltados a jovens de baixa renda. Chega a ser cômico ver o esforço para corrigir a construção dessas.
Já falamos em um artigo recente sobre a existência das passarelas anti pedestres no ambiente urbano e como elas são inacessíveis, excludentes, inseguras e priorizam os veículos, já que desviam e aumentam em quase 10 vezes o caminho de quem está a pé (Liga Peatonal, México) para que os carros não precisem parar. Quando realizamos o projeto Caminhando Juntas – que busca soluções para promover o acesso das comunidades lindeiras ao Parque Bruno Covas Novo Rio Pinheiros, em São Paulo – recebemos muitas reclamações das mulheres sobre a passarela existente na Ponte Morumbi. Segundo elas, o local tem um “histórico de pessoas que foram assaltadas ou quase sofreram abuso”: “É muito perigoso. Nenhuma mulher usa essa passarela. Pode ver. É só homem que passa ali!”, disse uma moradora do Real Parque.
Um estudo feito por alunos do escritório modelo do curso de arquitetura e urbanismo da FIAM-FAAM Centro Universitário sobre a Passarela Prof. Dr. Emílio Athiê, localizada no bairro Pinheiros, em São Paulo, constatou que um número significativo de pessoas não utiliza a estrutura para atravessar a Avenida Rebouças. Em 2016, participantes da Oficina Cidade para Pessoas também avaliaram o uso dessa passarela durante 5 dias pela manhã, tarde e noite, e refletiram sobre a relação do local com o seu entorno. O projeto, que foi chamado de Passanela, criou um protótipo de ideias que poderiam minimizar os principais problemas da passarela, exibidos através de desenhos e pinturas no chão.
Mas, se são estruturas que não servem para as pessoas, o que fazer com as passarelas de pedestres? Uma das soluções mais simples e práticas é demolir elas, e substituir por travessias em nível (lombofaixas) e faixas de pedestres com redutores de velocidade, que conectem os dois lados da via. Porém, se a intenção for manter essas estruturas em pé, é necessário pensar em outras alternativas. Perguntamos no nosso Instagram pelo que as pessoas substituiriam as passarelas de pedestres nas cidades e surgiram respostas bem criativas: pista de skate, corredor verde, espaço para feiras a céu aberto e tobogã.
Além das passarelas anti pedestres, outra estrutura que apresenta o mesmo problema de falência nas cidades são os viadutos, que são construídos para o fluxo de carros e geram degradação, barreiras e mais insegurança para caminhar. No centro de Seul, capital da Coreia do Sul, foi encontrada uma solução interessante para um viaduto da década de 70: ele foi transformado em um jardim público com de 983 metros de extensão e mais de 20 mil plantas, que incorpora estabelecimentos comerciais, galerias, casas de chá, um teatro, centros de informação e restaurantes. Além disso, há escadas, elevadores e rampas conectando o parque a diferentes regiões da cidade, o que cria um eixo de conexão para os pedestres.
Em São Paulo, existe uma discussão de transformar o Minhocão em parque, com a sua desativação como via para carros. Esses exemplos destacam a importância de repensar estruturas urbanas subutilizadas e que não servem às pessoas, mas sim aos automóveis, e sobre a urgência em não gastar dinheiro público com essas estruturas – como é o caso da extensão da Marginal em Jurubatuba São Paulo (assine AQUI para barrar o projeto) e da nova alça viária no centro do Recife.
Se essas estruturas continuarem sendo construídas, daqui a alguns anos as gestões terão que investir na sua ressignificação! Não era melhor já fazer soluções para cidades mais inclusivas, seguras e funcionais?
Referências
ANDRADE, Matheus Gouvea. Os ‘corredores verdes’ de Medellín para combater calor extremo. BBC, 2023.
DEGREAS, H. N. ; SILVA, G. B. ; SATO, P. M. A. ; NOVO, V. R. M. ; MIRANDA, N. F. ; MESQUITA, L. M. ; ABATE, M. A. . Cidade para Pessoas: instrumentos de avaliação urbana Passarela Prof. Dr. Emílio Athiê e Parada Clínicas de ônibus. 2017.
SEM AUTOR. Cariocas festejam demolição de passarela em Ipanema. Folha de São Paulo, 2009.
SEM AUTOR. Oficina cria projeto para transformar passarela sobre a Rebouças. Casa.com.br, 2016.
SEM AUTOR. Prefeitura do Recife constrói alça viária para dar maior fluidez à mobilidade no Centro. Prefeitura do Recife, 2024.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.