Forçar as pessoas a utilizarem certos trajetos quase sempre significa impor dificuldades ou barreiras à sua circulação.
“Por que vocês eliminaram esta conexão?”, pergunto a um grupo de estudantes da minha turma de Projeto de Urbanismo 2 da FAU/UnB, quando vejo que propuseram fechar o acesso a uma rua. “Pra forçar os pedestres a passarem pela outra rua, e não por esta”, respondem.
Sorrio, porque eu já sabia a resposta (é uma resposta frequente), e digo a eles que toda vez que a gente faz algo para forçar as pessoas está fazendo errado.
Forçar as pessoas a utilizarem certos trajetos quase sempre significa impor dificuldades ou barreiras à sua circulação. A gente não gosta de barreiras. A gente gosta de permeabilidades. A gente gosta de facilitar a vida, não de dificultar. A gente quer oferecer às pessoas caminhos mais curtos e diretos, porque ninguém gosta de ficar dando voltas e perder tempo.
Quando tentamos forçar as pessoas a fazer alguma coisa, é quase como se, no fundo, soubéssemos que, se não for assim, elas jamais vão fazer o que queremos, de livre e espontânea vontade. Talvez porque o que estamos oferecendo não seja suficientemente bom, conveniente, prático, agradável, seguro para que elas escolham sem serem obrigadas. Então é bom rever nossa oferta. Em se tratando de cidades, é fundamental rever nossa oferta.
As pessoas fazem escolhas durante seu deslocamento, o tempo todo, quase sempre baseadas em critérios pessoais. Num nível local, dependendo da hora do dia, do dia da semana, das condições climáticas, das suas necessidades e vontades, as pessoas vão por onde é mais iluminado, onde é mais sombreado, onde tem loja para resolver coisas do dia a dia, onde dá para ir em cadeira de rodas… Importa observá-las, buscar entender suas razões e, no desenho dessas ruas, oferecer-lhes segurança, conforto, atrativos, acessibilidade.
Mas, antes disso, num nível global, o sistema viário da cidade é influente nesse movimento. Sua estrutura, a articulação entre suas partes auxiliam a que alguns caminhos sejam mais propícios a um tráfego maior de passagem.
Pensemos em uma rua A, sem saída. Ela é um destino, não é caminho para canto nenhum, portanto não se oferece como alternativa de trajeto. Já a rua pela qual acessamos a rua A permite pelo menos a passagem de um outro lugar para a rua A, ou da rua A para um outro lugar.
Simplificadamente, quanto mais conexões tiver e mais longa for uma via, mais ela se apresenta como possibilidade de fazer parte dos trajetos das pessoas dentro da cidade. Isso tudo tem a ver com o que a Teoria da Sintaxe Espacial chama de Movimento Natural, e que Renato Saboya explica tão bem neste artigo do seu site Urbanidades, referência constante para as minhas aulas.
Então, sim: eliminar uma conexão, restringir as alternativas dos trajetos, criar caminhos descontínuos influencia o ir e vir das pessoas, pode submetê-las a maiores deslocamentos ou fazer com que elas explorem menos a cidade. Isso não é bom.
Por outro lado, criar conectividades, fazer com que novas ruas sejam prolongamentos de ruas existentes, evitar traçados labirínticos e ruas sem saída também influencia o ir e vir das pessoas, amplia as opções de escolha, ajuda a distribuí-las pela cidade, permite que elas andem menos. Isso é ótimo!
E quanto à rua pela qual os estudantes queriam que as pessoas passassem? Uma vez garantida uma estrutura viária permeável, cheia de opções de trajeto, como fazer com que as pessoas a escolham? “Façam uma rua agradável, pela qual seja gostoso passar”, digo. “Não forcem, convidem”.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.