Gente permanecendo

21 de julho de 2023

A gente não quer preparação nem esforço para usar um espaço público no cotidiano.

— Me disseram que você poderia me orientar num tema de pesquisa. É sobre espaços públicos.

— Posso, sim. O que você quer descobrir?

— Eu queria saber por que as pessoas não usam o canteiro central da Esplanada.

Você usa o canteiro central da Esplanada?

— Não.

— Por quê?

— Porque não tem nada para fazer lá!

— A sua pesquisa já acabou.

Adoro contar essa história. Ela ilustra bem a razão de não se ter mais “gente, gente variada e gente sempre” permanecendo em vários espaços públicos: o simples fato de eles não oferecerem nada para se fazer.

O que nos faria permanecer num lugar?

Vamos começar por lugares que oferecem algo que não se encontra em outros: uma vista linda, uma possibilidade de banho de mar. Locais assim, únicos, costumam atrair e reter gente, mesmo que sua estrutura de permanência seja precária ou inexistente, nem que seja apenas pelo tempo que durar um pôr do sol.

E os locais que não têm essas características? Trechos vazios em meio aos cheios da cidade, áreas livres públicas distribuídas pelos bairros, grandes canteiros centrais gramados? Pois é. Se esses lugares não oferecerem pelo menos um banco na sombra, não vão reter ninguém.

(Às vezes a intenção é essa, mesmo; a arquitetura hostil também se faz por omissão. Mas a gente não gosta da arquitetura hostil nem de cidades hostis. A gente gosta de cidades gentis, agregadoras.)

“Ah, mas as pessoas criam, improvisam, levam seu lanche, sua canga, seu violão, bola, brinquedos para as crianças, cadeiras de praia etc.” OK, é bacana ver a ocupação de espaços públicos com usos variados — festas de aniversário, chás revelação, casamentos, sessões de cinema ao ar livre —, mas isso demanda preparação, esforço. Não dá pra fazer isso todo dia.

A gente não quer preparação nem esforço para usar um espaço público no cotidiano. A gente quer poder passar por ele, achar algo interessante ou conveniente, ali, e resolver se demorar um pouco. A gente quer ir até ele, só ou com outras pessoas, e fazer algo usando uma estrutura que o lugar já possua. A gente quer sentar e bater um papo com alguém, em território neutro, sem ter que gastar dinheiro consumindo alguma coisa.

A organização não governamental americana Project for Public Spaces, referência internacional em estudos e transformações de espaços públicos, diz que um lugar precisa ter 10 coisas diferentes para a gente fazer nele, para que ele possa ser considerado um destino. O número não foi construído cientificamente, mas é um bom parâmetro. 

Então, o que nos faria permanecer num lugar que, teoricamente, não teria nada de único seria ele nos ofertar pelo menos umas 10 atividades que nos poderiam interessar fazer. Elas poderiam ser passivas ou ativas, e nos convidar a usar o lugar durante a semana e nos fins de semana, de dia e à noite, sozinhos ou acompanhados.

Para isso, é possível obter bons resultados com fórmulas conhecidas: bancos, quadras poliesportivas, parquinho infantil, equipamentos para os idosos, academias ao ar livre? Claro. Mas será que dá para ir além? Garantindo um bom sombreamento e permeabilidade visual, como incrementar essa fórmula?

Buscando muito repertório. E ousando. Ampliando a gama de esportes que podem ser praticados e os tipos de locais para se sentar; criando estruturas para crianças explorarem; propondo qualquer coisa com água (especialmente em movimento); trazendo arte, cor, luz; desenhando pisos; trabalhando lindamente com elementos que honrem a história e os habitantes do lugar.

A lista segue, e as possibilidades são infinitas. Num mundo de moradias cada vez mais reduzidas, precisamos de espaços públicos agradáveis, interessantes, divertidos, que nos acolham e possam ser a extensão da nossa vida cotidiana.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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