Falta vaga? Quero números!

10 de outubro de 2025

Por favor, não venha parar 8 horas na frente do seu trabalho sem pagar nada e me dizer que está faltando estacionamento.

“Aqui falta estacionamento”, me disse o dono de um box no camelódromo do centro de Anápolis-GO.

“Certo. O senhor vem trabalhar de quê?”, perguntei.

“De moto”, ele respondeu. 

“E o senhor estaciona onde?”

“Ali na frente”, disse, e rapidamente acrescentou: “mas eu sei que eu estou errado!”

“Por que o senhor estaria errado? Ali é uma vaga, e o estacionamento é gratuito, não?” 

“Sim, mas é que ali poderiam parar os clientes, né?” 

“Realmente. Vi por aí umas placas de estacionamento rotativo…”, comentei. “Isso ainda funciona?”

“Não, aquilo durou pouco. Já tem tempo que não funciona.” Parou um instante, pensou e disse: “Tá aí, poderiam voltar com aqueles estacionamentos rotativos!” 

“E o senhor iria parar onde?” 

“Ali, mais longe. Ia pagar para deixar numa garagem que eu conheço. E o espaço aqui na frente ficaria liberado.”

Em muitas cidades brasileiras, as vagas públicas das áreas centrais, das ruas comerciais, dos locais onde há oferta de empregos ainda são gratuitas… e frequentemente se reclama de sua insuficiência. Mas o fato é que uma das grandes razões dessa alegada insuficiência é justamente a gratuidade. O caso da atividade comercial é exemplar. Sem cobrança, muitas vagas passam a ser ocupadas pelos donos e trabalhadores das lojas durante toda a jornada comercial, dificultando o acesso aos clientes motorizados. 

Toda vez que se fala em falta de vagas em locais em que o estacionamento público é gratuito, eu quero ver os números. Não os números de quantos carros a cidade tem, ou de quantos estão estacionando sobre as calçadas. Quero os números de quantos carros ficam parados na mesma vaga por horas e horas. Não dá pra tomar decisões sem números. Eles respaldam, a gente sai do achismo, e com achismo não se avança. Mas quase nunca eles estão lá. Então a gente tem que produzir.

Uma brilhante ex-orientanda minha, Eduarda Toscano, fez um estudo na rua da Igrejinha, em Brasília (a rua comercial da 107/108 Sul), onde tem 106 vagas formais. Ela ficou 13 horas de um dia de semana com tempo bom, filmando e anotando, de hora em hora, as placas dos carros estacionados, para estudar a rotatividade. Eis o que ela descobriu: 9 vagas ficaram ocupadas pelo mesmo carro de 12 a 13 horas seguidas; 9 ficaram ocupadas pelo mesmo carro de 10 a 11 horas seguidas; 12 ficaram ocupadas pelo mesmo carro de 8 a 9 horas seguidas e 15 vagas ficaram ocupadas pelo mesmo carro de 6 a 7 horas seguidas. Isso indica que 42% das vagas ficam privatizadas, muito provavelmente pela jornada do comerciante ou do comerciário. Os clientes não conseguem usá-las, e a cidade não ganha nada com isso.

Claro que é preciso saber cobrar corretamente, há uma ciência por trás da precificação de estacionamentos públicos de superfície. Nem baratos demais, porque senão fica tudo na mesma, nem caros demais, para que não se congestionem as vias com carros procurando um lugar menos caro para parar. Donald Shoup, no seu indispensável livro “The high cost of free parking”, ensina justamente isso, acrescentando que também devemos eliminar os requisitos mínimos de estacionamento interno aos lotes, e que todo valor arrecadado deve ser utilizado nas próprias ruas onde os estacionamentos pagos estão.

Quando se implementa cobrança em estacionamentos públicos, são justamente os carros das pessoas que os utilizavam para permanência mais prolongada que somem primeiro. E aí? Eles mudaram de vida, abandonaram suas lojas, largaram seus empregos? Não. Eles, como o nosso generoso entrevistado, buscaram outra solução para guardar seus veículos. Ou encontraram outro meio de chegar aos seus trabalhos.

Em tempo:
Recomendo demais a leitura da entrevista que Donald Shoup concedeu a Marcos Paulo Schlickmann, e deste artigo sobre ele, escrito por Cristiano Scarpelli.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
VER MAIS COLUNAS