“Eu fui no Tororó, beber água e não achei…”

23 de março de 2023

Cantiga de roda que fala de um costume antigo: quando buscávamos, para o abastecimento doméstico, água nas fontes naturais. Em nosso imaginário, o Tororó era um lugar distante, pois não era fácil, adquirir um bem tão precioso. Tororó, em Tupy Guarani, quer dizer nascente, olho d’água. Então esta canção retrata o que nos tempos do Brasil Colônia era comum: “mucamas” e “moleques”, nossos sofridos escravos, tinham a função de abastecer de água, as moradas de seus senhores.

O que mudou nestes últimos séculos em nosso país? O abastecimento de água, um dos quatro componentes do saneamento básico no Brasil, ainda não é um serviço universalizado no Brasil. Existem comunidades que buscam diariamente seus “Tororós”, com destaque para as regiões Norte e Nordeste. São milhares e, porque não dizer, milhões de brasileiros que ainda não dispõem de água tratada nas suas moradas.

Adicionalmente à falta do serviço, nos dias atuais ainda sofremos com a poluição dos nossos riachos, rios, lagoas, praias e demais corpos hídricos, consequência da ausência, ineficiência dos outros componentes do saneamento básico, quais sejam: esgotamento sanitário, redes de drenagem e a destinação correta do nosso resíduo — os lixões e outras inadequações. Parte das enchentes ocorridas em nossas comunidades são originadas também pela ineficiência dos sistemas de saneamento básico. 

Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 22 de março de 1992, o Dia Mundial da Água, visa à conscientização da população a respeito dessa substância, que é essencial para a vida no planeta. Mais adiante, em 2015, com o advento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também instituídos pela ONU, a água está presente em quase todos os objetivos, especificamente queremos destacar como relevantes para o tema o ODS 6 — Água Potável e Saneamento, o ODS 11 — Cidades e Comunidades Sustentáveis e o ODS 14 — Vida na Água. 

O Instituto Trata Brasil publicou, esta semana, estudo que ranqueia os índices de saneamento básico nas 100 maiores cidades do Brasil. As 20 melhores cidades têm em média o serviço de abastecimento de água universalizado (99%), coleta de esgotamento sanitário, também universalizada (98%), tendo 80% de seu esgoto tratado. Já nas 20 piores cidades, a média de abastecimento de água é 79%, sendo coletados somente 29% de esgotamento sanitário e, somente 18% do esgoto nestas cidades, é tratado. Saúde, educação, renda e outros indicadores de desenvolvimento também são determinados pela qualidade do saneamento de nossas cidades.

Mas o futuro é alvissareiro. O Marco do Saneamento, instituído pela Lei n.º 14.026, de 15 de julho de 2020, veio contribuir para melhoria da regulação dos serviços de saneamento básico e incentivar os investimentos no setor, ampliando a oferta de serviço e beneficiando mais brasileiros. O Marco do Saneamento instituiu as metas de universalização dos serviços até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto e possibilitou novos formatos de execução destes serviços, por meio de concessões, aquisições e parcerias público-privadas.

Seja na despoluição da Baía de Guanabara, realizada pela concessionária que assumiu os serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário em 26 municípios fluminenses e 124 bairros cariocas; seja levar água e esgotamento sanitário às palafitas do Beco Nonato, em Manaus, beneficiando mais de 900 moradores, também por meio de uma concessão de água e esgoto; é mais alvissareiro ainda é constatar que é possível encontrar alguns “Tororós” em nosso Brasil.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Doutora em Urbanização e Políticas Públicas. Atuante nas áreas de Planejamento, Gestão e Governança corporativa e em cidades, na Academia e na Administração Pública. ([email protected])
VER MAIS COLUNAS