Altos, mas acessíveis

29 de outubro de 2025

Na conferência internacional do Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), agora Council on Vertical Urbanism (CVU), realizada em Toronto, um tema se impôs sobre todos os outros: como conciliar verticalização com moradia acessível. A cidade canadense foi o palco ideal para essa discussão. Toronto é hoje um dos maiores laboratórios de edifícios altos do mundo e, paradoxalmente, também uma das capitais da crise habitacional. 

Os números impressionam. Estima-se que haja 740 mil unidades residenciais ainda não construídas no pipeline de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, vimos sinais recentes de arrefecimento nos preços de aluguel, um raro respiro num mercado historicamente pressionado. Ainda assim, a percepção entre os especialistas é que o volume de construção não tem se convertido em acesso. O desafio é fazer com que essa nova produção alcance mais faixas de renda e permita que mais pessoas possam viver onde a cidade já existe.

O debate do CTBUH City Advocacy Forum reforçou que não há uma única equação entre altura, densidade e acessibilidade. Um hectare de edifícios altos pode gerar desde 400 unidades habitacionais em Dubai até mais de 1.500 em Hong Kong. Nessas mesmas cidades, o preço de um apartamento pode variar de oito a dezoito vezes a renda média anual.

Nova York discute uma revisão de sua carta urbanística para permitir adensamentos graduais e acelerar reformas de zoneamento em áreas de menor densidade. Um dos dados foi incômodo. Distritos de baixa densidade da cidade constroem menos moradias per capita do que Detroit. É o retrato de uma regulação que limita a própria capacidade da cidade de crescer e de responder à demanda habitacional. 

No outro extremo, Hong Kong, apresentou um modelo estatal de escala rara. São 195 conjuntos habitacionais públicos, cerca de 830 mil apartamentos e mais de 2 milhões de moradores. Lá, o edifício alto não é símbolo de luxo, mas instrumento de política pública. Os edifícios integram transporte, comércio e serviços, funcionando como pequenas cidades verticais. A moradia é tratada como infraestrutura, algo essencial para o funcionamento do território.

A pergunta que ecoou entre as apresentações era direta: como tornar os edifícios altos economicamente viáveis e socialmente diversos ao mesmo tempo? A altura carrega custos, com fundações, sistemas, manutenção e seguros, que tornam difícil atender faixas de renda mais baixas sem algum tipo de subsídio, incentivo ou contrapartida. Cidades que conseguiram equilibrar essa equação, como Singapura ou, como abordado, Hong Kong, o fizeram por meio de forte coordenação pública e clareza de objetivos. Já onde a verticalização depende apenas da iniciativa privada, o resultado tende a se concentrar em poucos grupos.

No Brasil, a verticalização avança, mas a agenda da moradia acessível continua restrita ao solo baixo periférico. O Minha Casa Minha Vida é um exemplo de meio-termo. Combina subsídio e crédito, mas mantém um padrão de localização que reforça a segregação. São empreendimentos distantes, pouco integrados à infraestrutura e raramente desenvolvidos em tipologias verticais de qualidade. Em vez de aproximar habitação e cidade, o programa ainda empurra a população e as oportunidades para direções opostas. 

A conferência de Toronto deixou claro que não há um modelo único, apenas escolhas. Cada cidade define até onde quer intervir e o quanto está disposta a abrir mão de controle, subsídio ou densidade para garantir acesso. O edifício alto pode continuar sendo o retrato de uma cidade para poucos ou pode virar parte da solução. 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UniRitter/Mackenzie) e Doutor em Arquitetura (UFRGS). Membro do Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH) e líder do CTBUH Brazil Chapter. ([email protected])
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