As reportagens publicadas semanas atrás nos jornais Zero Hora e Jornal do Comércio sobre os lançamentos imobiliários no Centro de Porto Alegre me levaram a escrever esta coluna. Uma delas trata do sucesso de vendas de um empreendimento recentemente lançado perto do Parque da Orla e da prospecção de novos terrenos por parte da incorporadora. A outra aborda um futuro lançamento de duas edificações em lotes inusitados, geralmente destinados a edifícios públicos. Todos esses empreendimentos estão na mesma região do Centro Histórico.
Um dado curioso é que esses desenvolvimentos imobiliários estão ocorrendo exatamente no lado oposto da área onde a Prefeitura instruiu que começasse a implementação do Programa de Reabilitação do Centro Histórico em 2021. Sim, aquele mesmo plano que já abordei em uma coluna no Caos Planejado e do qual sou entusiasta, mas critico a falta de clareza nos critérios que definem o que pode ser construído e de que maneira isso deve ocorrer na região.
Os moradores e frequentadores de Porto Alegre conhecem bem as diversas áreas que compõem o Centro. Para aqueles que não estão familiarizados, explico de forma simplificada: o Centro Histórico é uma península que faz margem, ao norte e a oeste, com o Lago Guaíba; ao sul, com o Parque Harmonia; e a leste, com os demais bairros da cidade. Ao norte, encontra-se o Cais do Porto — aquele de inúmeros projetos de revitalização que nunca saíram do papel — e a oeste, o Gasômetro e parte do Parque da Orla. Os novos empreendimentos estão sendo desenvolvidos no sudoeste da região, entre os Parques da Orla e Harmonia, enquanto a área onde o Plano pretendia iniciar a reabilitação do Centro fica no nordeste, próxima à Rodoviária e às saídas da capital.
A intenção dos urbanistas da Prefeitura de começar a reabilitação pela área mais degradada do Centro Histórico é válida. No entanto, como bem explica Alain Bertaud em seu livro Ordem sem Design, não basta a boa vontade do planejador em revitalizar uma zona apenas liberando novas construções — no caso de Porto Alegre, permitindo a aquisição de índices construtivos — e esperar que os desenvolvedores invistam na região apenas porque ali será possível construir mais do que em qualquer outra parte da cidade.
A grande questão é: há demanda para novas edificações naquela área, que infelizmente está extremamente degradada? Em outras palavras, as pessoas desejam morar lá?
Além disso, e principalmente, a região enfrenta problemas seríssimos de segurança, com altos índices de criminalidade, presença de usuários de drogas, prostituição e moradores de rua. Sem falar nos inúmeros edifícios abandonados. A Prefeitura deveria, primeiro, oferecer garantias de como pretende solucionar essas questões sociais. Talvez, somente então, os desenvolvedores começassem a se interessar por uma área que, apesar da liberação de potenciais construtivos e edifícios mais altos, permanece desvalorizada. Enquanto isso não acontecer, por melhores que sejam as intenções dos planejadores, a região continuará estagnada e “abandonada”.
O que vem ocorrendo com o desenvolvimento imobiliário no Centro Histórico de Porto Alegre é, na prática, a materialização dos ensinamentos de Alain Bertaud. E enquanto não houver uma mudança na abordagem do planejamento urbano — baseada em dados concretos e acompanhada de soluções efetivas para os problemas sociais da região —, os empreendimentos continuarão sendo lançados no lado mais atrativo da região central. A não ser, é claro, que um incorporador destemido decida ser o primeiro a arriscar um projeto naquela área.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.