Duas certezas são absolutas sobre planos diretores. Haverá uma grande comiseração entre os intelectuais do urbanismo, gerada pela não prioridade para a inclusão social a ser promovida pelo Estado e seus agentes. Haverá acordos definidos nos bastidores políticos, assegurando que os promotores imobiliários possam mais, uma vez que reclamam muito que podem tão pouco. Todo o resto, não acontecerá.
Uma terceira garantia pode ocorrer. A atualização do plano diretor durará cinco anos.
E assim, de revisão em revisão, vamos vivendo num eterno dissenso, uma guerra cultural, que afirma a cidade como lugar de luta, e de muito cortisol, mas raramente de generosidade e harmonia. Regozijo à esquerda. Celebrações à direita. Gramsci x Friedman.
O Estatuto da Cidade falhou e precisamos aceitar este fato.
Por exemplo, o importantíssimo instrumento urbanístico do parcelamento, edificação e utilização compulsória, o PEUC, simplesmente não consegue ser implementado no país. Se bela é a concepção, não há como operacionalizá-lo, salvo através de prefeitos muito urbanisticamente iluminados, mas talvez ruins de voto. A solução depende não só da vontade política, mas de um comprometimento integral, e raro, com o tema, ficando impossível de ser posto em prática institucionalmente, pela via técnica e pragmática.
Pode ainda ocorrer de vereadores de esquerda não aceitarem que prefeitos de direita o executem. E vice-versa. Como já aconteceu por aí.
Por outro lado, as Operações Urbanas Consorciadas foram exaustivamente adotadas porque o setor privado rapidamente compreendeu o princípio de parceria público-privada contido no mecanismo, convertendo-se em evangelizador junto às lideranças políticas.
As Zonas de Especial Interesse Social, as ZEIS, asseguraram um véu de direito à moradia, mas raramente converteram assentamentos precários em bairros formais. Atenuam mas não resolvem. Criam redomas de inclusão, mas não de mobilidade territorial ou social. As novas gerações continuam “crias” do mesmo lugar enquanto que “a cidade é nossa” continua a ser mais um brado estudantil do que um desejo viável. A regularização fundiária não é efetivada.
A melhoria habitacional, outra inovação brasileira, novamente é vista com ação dependente do Estado.
Persistimos na cizânia entre mercado e urbanismo, que amarra eternamente acadêmicos e empresariado à fábula da rã e do escorpião, condenados às suas naturezas trágicas.
Os planos diretores carecem de metas e indicadores. O arco temporal de dez anos entre revisões deve ser marcado pela busca por resultados quantitativos.
Entretanto, o mais importante é que prefeitos precisam temer o plano diretor como temem a responsabilidade fiscal, os tribunais eleitorais e fiscalizações ambientais. Prefeitos ignoram solenemente a legislação urbana porque ela perdeu toda e qualquer autoridade sobre a organização territorial. Curiosamente, o caos urbanístico cria problemas fiscais, clientelismo eleitoral e riscos ambientais. Uma lei de responsabilidade urbana é urgente.
Este desarranjo é resultado da ausência do Poder Judiciário balanceando o jogo de empurra dos planos diretores entre Executivo e Legislativo. Tribunais de Contas não conseguem observar a soma deficitária da urbanização ineficiente. O Ministério Público não observa as consequências da não obediência do Estatuto da Cidade e não fiscaliza a não implementação dos planos.
Existem outros de fora desse jogo medíocre. A sociedade civil. Que não consegue acompanhar os conceitos e os acrônimos herméticos dos planejadores urbanos, porque não enxerga tangibilidade no urbanismo. O tempo passa, dez anos voam, e os planos diretores mais parecem palcos de treino para disputas eleitorais do que meios efetivos de melhorar as cidades.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.