Urbanismo social: o caminho para enfrentar a violência e a crise climática nas cidades latino-americanas
26 de setembro de 2025As cidades latino-americanas chegaram a um ponto crítico. Elas concentram vitalidade econômica e cultural, mas também são epicentros de crises múltiplas que se acumulam nos mesmos territórios: violência estrutural, colapso ambiental, desigualdade social e degradação institucional. Esses fenômenos não atuam de forma isolada — convergem, se sobrepõem e se aprofundam sobretudo nas periferias urbanas.
Ali, a ausência histórica do Estado, a precariedade de serviços públicos e a fragmentação das políticas abriram espaço para outras formas de autoridade e pertencimento: facções criminosas, redes informais e estruturas paralelas que se impõem pela força ou pela funcionalidade. Paralelamente, os impactos da mudança climática já não são projeções futuras, mas realidades vividas: enchentes, deslizamentos, ondas de calor e colapsos ambientais afetam cotidianamente milhões de pessoas, sobretudo aquelas que vivem em áreas informalmente ocupadas e mal infraestruturadas.
Violência e clima, portanto, não são crises paralelas. São estruturalmente interligadas, ambas territorializadas e ambas incidindo com mais força sobre mulheres, jovens, negros, crianças pequenas e comunidades historicamente estigmatizadas. Enfrentá-las exige respostas urgentes, integradas e radicais. E, sobretudo, exige romper com o modelo tradicional de intervenção urbana, incapaz de lidar com a complexidade que está em jogo.
A tese que propomos é clara: a saída está na regeneração territorial. Não basta melhorar serviços ou ampliar infraestrutura. Regenerar é reconstruir vínculos, confiança, recursos e presença pública qualificada em territórios desestruturados por décadas de omissão e políticas fragmentadas. O caminho mais consistente e promissor para essa regeneração é o urbanismo social.
O urbanismo social não é uma abstração. Seu exemplo mais emblemático é Medellín, que transformou territórios antes dominados pela violência em referências globais de inclusão urbana. Outras experiências, como o COMPAZ (Recife), as Usinas da Paz (Pará) e as UTOPÍAS (Iztapalapa, México) reforçam o potencial dessa abordagem. Isso está sistematizado metodologicamente no Guia Prático de Urbanismo Social, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Cidades do Insper e pela Diagonal. Mais do que um modelo urbano, trata-se de um pacto territorial: articula políticas públicas integradas, infraestrutura comunitária, pactos de governança e presença legítima do Estado, com foco nos grupos mais vulnerabilizados e com ações planejadas também para a adaptação climática.
Essa abordagem atua de forma simultânea em três frentes:
- • Espaço urbano, com infraestrutura digna, acessível e adaptada ao clima;
- • Redes sociais, com serviços de proteção, cuidado e pertencimento;
- • Governança, com pactos institucionais entre Estado, comunidade e setor privado.
Ao combinar essas dimensões, o urbanismo social oferece uma resposta capaz de enfrentar, ao mesmo tempo, a violência e a crise climática. É, em essência, um projeto de reconstrução do pacto social, ambiental e político que permitirá às cidades latino-americanas existirem — e resistirem — no século 21.
Kátia Mello
Sócia-fundadora da empresa Diagonal, professora do Insper e uma das autoras do Guia Prático de Urbanismo Social, que contribuiu com este artigo a convite do IJL.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.