Era uma tarde chuvosa de março de 2023 e eu fui almoçar em um dos restaurantes de esquina lá do bairro. Olhava distraidamente a rua pela janela, quando carros e caminhões passando em alta velocidade por cima de uma rotatória “demarcada” por tachões me chamaram atenção.
E digo “demarcada”, assim mesmo entre aspas, porque a sinalização da rotatória estava praticamente apagada e muitos dos tachões nem estavam mais ali.
Resolvi, então, acessar o Portal 156 da Prefeitura e solicitar não somente nova pintura e a reposição dos tachões, mas também sugerir a implantação de um jardim de chuva no local – que não apenas seria mais eficaz para garantir a segurança no trânsito, ao forçar uma diminuição da velocidade dos automóveis naquele cruzamento, como também colaboraria para a drenagem da chuva e a valorização da paisagem ao trazer mais verde para o cenário.
Recebi a resposta poucos dias depois e, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego, o local já havia sido alvo de estudos prevendo a revitalização da sinalização vertical, horizontal e dispositivos auxiliares. De fato, pouco tempo depois, foi iniciada a implantação do jardim de chuva no local.
Coincidentemente, o jardim fica em frente à barraca onde compro frutas na feira de sexta. “No começo achei que o jardim ia nos atrapalhar, tomar nosso espaço, mas acabou que valorizou o visual da nossa barraca, olha só”, comentou comigo o dono da barraca logo que a obra ficou pronta.
Outro dia, após um happy hour com amigos, os “inimigos do fim” perambulávamos pelo bairro em busca de um local para tomar a “saideira”, mas, com exceção do mercadinho 24 horas em uma das esquinas daquele mesmo cruzamento, todo o comércio já estava fechado.
A solução foi comprar umas cervejas no mercadinho e beber ali na rotatória, onde, levemente ébrios, falamos da importância de ocupar os espaços da cidade. Desde então, o local se tornou o ponto oficial das nossas “saideiras”, e sempre damos uma parada lá para a última cerveja antes da volta a pé para casa.
Mais recentemente, escrevi um artigo falando das lições de urbanismo que era possível tirar da breve caminhada que faço todos os dias com meus filhos até a escolinha – sendo que, em um dos trajetos, também passamos pela rotatória.
Compartilhei o artigo com a dona da escolinha, falamos da importância de estar atento ao que acontece no bairro e zelar pela preservação do verde e dos equipamentos. Foi quando ela comentou comigo do seu interesse em cuidar exatamente daquele jardim da rotatória, que já estava bastante degradado pouco mais de um ano após sua implantação.
Mencionei, então, o Programa Adote uma Praça da Prefeitura, fiz a consulta no site e constatei que o jardim estava disponível para adoção. Ela prontamente pediu à mãe de outro aluno ajuda na elaboração do projeto paisagístico e fez a solicitação.
A escola pretende não somente se responsabilizar pela preservação do jardim, como também desenvolver atividades de educação ambiental e cidadania com as crianças nas sextas-feiras, quando o trecho fica fechado para carros por causa da feira.
Assim, um espaço até então completamente ignorado (inclusive pelos carros) virou um jardim de chuva, que ajuda na drenagem, valoriza a paisagem e aumenta a segurança no trânsito.
Virou também uma espécie de ponto de encontro e de despedida, parada final obrigatória após uma noite com amigos pelos bares do bairro.
Formalizada a adoção do jardim pela escolinha, ele também poderá se tornar um espaço preservado pela comunidade e voltado para a educação ambiental das crianças.
Enfim, apenas um exemplo de como intervenções modestas, de baixo custo, podem não somente qualificar os bairros, como também fortalecer a vida comunitária e colaborar para a criação de boas histórias para a gente contar.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.