Vamos parar de chamar de praça aquilo que não é
Em 2009, escrevi um artigo intitulado Uma “praça” não é uma praça. Eu estava inconformada com um livro chamado Mini Plazas, que estava chamando de praça até cobertura de prédio, e fiz aquele texto como um manifesto em defesa da praça como um espaço público que tem características próprias. A gente não pode chamar qualquer coisa de praça!
E o que é uma praça?
Fui atrás do Aurélio e do Houaiss, e eles descreviam praça assim: “lugar público cercado de edifícios; largo” ou “área pública não construída, dentro de uma cidade; largo, campo; local aberto onde se compra e se vende; mercado, feira (…) área urbana arborizada e/ou ajardinada, freq. com bancos, chafarizes, coreto etc., para descanso e lazer”.
De saída, a gente pode ver a definição de praça como algo que se depreende por contraste. Ela é um vazio em meio a um cheio que a configura. A praça é finita, tem limites inequívocos que, na totalidade ou na maioria dos seus lados, são os planos verticais – normalmente de edifícios – que a cercam.
Mas ela também abriga atividades e dá apoio a descanso e lazer. Por isso, é imprescindível que uma praça seja circundada por edifícios que se abram para ela. Praças precisam ser vivas e seguras, e as atividades que os edifícios abrigam alimentam a praça com o entra e sai de pessoas no cotidiano. Se a praça tem movimento por ser um bom local de passagem, de acordo com sua posição na malha da cidade, podemos ter a sorte de ela ter fachadas ativas nos térreos e de ver muita gente vendo gente, permanecendo nela. As pessoas podem estender para dentro dela alguma atividade que começaram a fazer nos edifícios. As pessoas que trabalham nos edifícios podem ir a ela descansar na hora do almoço. As pessoas que moram nos edifícios podem aproveitar o que ela oferece. As pessoas podem olhar a praça desde suas janelas, de dia e de noite, reforçando a vigilância informal.
Uma praça não é um desenho no chão. Mesmo que a gente atravesse uma rua para chegar nela, a praça não começa no meio-fio: começa na parede do prédio que a delimita. Acho o fim que um espaço público sem existência tridimensional seja chamado de praça. Por essa razão é que eu dei a isso o nome de “praça”, entre aspas.
A “praça” da cidadania do Eixo Monumental, em Brasília, foi inaugurada em julho de 2017. Está atrás do Teatro Nacional. Tem calçadas, bancos, lixeiras, postes de luz, paraciclos e vários ipês amarelos (na época falaram em 300 mudas, mas contei umas 170 árvores aqui no Google). É um vazio no meio do vazio do Setor Cultural Norte. Não tem delimitação alguma, a entrada do teatro está longe demais para dizer que ela configura ou alimenta alguma coisa. Desenharam um tapete numa área livre, puseram uma placa e é isso. Tem gente usando? Claro que não. Locais assim têm baixíssimas chances de apropriação cotidiana. O lugar está sempre vazio e se está deteriorando. Talvez nas 3 semanas anuais em que dura a florada dos ipês alguém apareça para tirar fotos. Vou prestar atenção este ano.
Por que eu me preocupo com isso? Porque gosto que as coisas tenham as denominações corretas? Sim. Mas também porque vejo que se desperdiça dinheiro fazendo “praças” por aí, quando se poderia estar fazendo praças de verdade. Porque vejo que se desperdiça dinheiro “revitalizando” esses lugares caídos, que não servem a ninguém e se degradam rapidamente por falta de uso, quando se poderia estar aprimorando as praças que já existem. Porque me revolta ver nosso dinheiro sendo jogado no lixo quando se tem conhecimento disponível para evitar que isso aconteça.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.