Uma fotografia do passado recente da capital paulista – e suas lições para o futuro

7 de maio de 2024

Em “São Paulo nas alturas”, Raul Juste Lores tece um rico panorama da produção arquitetônica na maior cidade do país e de sua relação com o mercado imobiliário na metade do século XX.

Ao contrário do que se poderia supor, o livro São Paulo nas alturas (Companhia das Letras), de Raul Juste Lores, recém-relançado, não é somente sobre arquitetura. Como o autor coloca na apresentação da nova edição, a obra é uma “grande reportagem” – valendo lembrar aqui que ele é um experiente jornalista – sobre uma fase expressiva de produção arquitetônica na história paulistana.

Apresentando objetos (os edifícios), atores (idealizadores, incorporadores, investidores, projetistas, moradores) e contextos (político, econômico, cultural), Lores dá vida presente à capital paulista da metade do século XX – com lições para o futuro.

A fim de aproximar o leitor da revolução que se impôs reconstituir, o autor não se vale apenas de livros, teses e entrevistas. A consulta a periódicos da época estudada – dos especializados, como a revista Habitat, de Lina Bo Bardi, aos jornais que divulgavam os anúncios de novos prédios em meio às notícias, caso do Diário de S. Paulo – mostra-se essencial para o sucesso de seu ambicioso objetivo.

Usando esse método, Lores consegue transmitir quais eram os discursos em torno dos empreendimentos, navegando por críticas indicativas de que, naquela altura, nem todos estavam enfeitiçados pelo, em suas palavras, “laboratório das pesquisas das vanguardas europeias e americanas” que havia sido instalado em São Paulo. Assim, é possível perceber que, de fato, existem constatações que apenas a distância temporal nos permite ver em sua completa riqueza – e, no caso do tema da obra, estamos falando da maneira como a melhor arquitetura se uniu à produção imobiliária para a construção de um ideário paulistano moderno, com promoção de novas tecnologias, densidades e ambiências urbanas.

“Ambiências urbanas”, sim, pois, se ainda não ficou claro, o livro não é apenas sobre edifícios, mas também sobre a conexão desses com o seu respectivo entorno – o que é apenas um dos sucessos das realizações daquele momento. Exemplo disso são as galerias, como Nova Barão, Presidente, Sete de Abril, Le Village, e, sem dúvida, a Galeria do Rock. Antes dos conceitos de fachadas ativas, fruição pública ou dos shopping centers, as galerias abrigaram o comércio, os serviços e, em alguns casos, unidades residenciais, promovendo a “passeggiata” entre vitrines – ou seja, mais do que prédios, relacionavam a vida com as dinâmicas urbanas da crescente população paulistana.

Se a “Parte I” de São Paulo nas alturas é um retrato dos processos que resultaram nos êxitos do período abordado, a “Parte II” é dedicada ao que ocorreu depois e que perdura até hoje – o que Lores chamou de “divórcio entre mercado e arquitetura”. Como o próprio autor esclarece, sua posição não é idealizar ou mitificar uma fase da história paulistana. Mais do que pontuar erros, essa segunda metade da obra é um convite à reflexão e à mudança do que vem sendo construído – daquilo que é propriamente edificado até as relações entre grupos profissionais e entre interesses público e privado. 
Como arquiteta, porém sobretudo como cidadã, vejo a leitura de São Paulo nas alturas como algo obrigatório – e não apenas para quem vive na capital paulista. O livro traz considerações que servem a muitos outros contextos brasileiros, pois, como é bem lembrado por Lores, “se calcularmos quanto tempo passamos dentro de edifícios ou olhando para eles, notaremos a importância, que às vezes passa desapercebida, da arquitetura em nossa vida”.

Heloisa Loureiro Escudeiro
Coordenadora-adjunta do Núcleo Arquitetura e Cidade do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. 

Uma versão ampliada deste texto foi publicada na newsletter do Laboratório.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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