Uma carta desde Porto Alegre

30 de abril de 2025

Recentemente recebi com muita honra o convite do Anthony Ling para ser o Embaixador do Caos Planejado em Porto Alegre. O objetivo é ser uma referência local para o engajamento da comunidade de apoiadores do Caos Planejado, inspirando pessoas e promovendo certas atrações na cidade. Obrigado por tamanha responsabilidade. 

Como primeiro ato, compartilho o texto (em português) enviado para a 3ª edição da revista Vertical Urbanism do Council on Tall Building and Urban Habitat – CTBUH, na qual fui convidado para escrever a coluna “Letter From” da minha cidade natal, Porto Alegre. Segue abaixo: 

“Porto Alegre, com seus 1,3 milhões de habitantes e 4,4 milhões na região metropolitana, é a capital do Rio Grande do Sul, o estado mais ao sul do Brasil. Por ser a capital dos “gaúchos”, suas influências culturais estão mais ligadas ao Uruguai e à Argentina, já que sua localização está mais próxima de Montevidéu e Buenos Aires do que da própria capital federal, Brasília.

Fundada por casais portugueses vindos das ilhas dos Açores em 1772, a cidade possui influências da arquitetura portuguesa, alemã e italiana em seus edifícios históricos. Na gastronomia, é conhecida pelo saboroso churrasco gaúcho, enquanto sua maior atração turística é observar o pôr do sol à beira do Lago Guaíba. E claro, não podemos deixar de mencionar seus times de futebol: o Internacional e o Grêmio, cuja rivalidade é a maior do futebol brasileiro.

Infelizmente, em maio de 2024, Porto Alegre entrou nos noticiários mundiais devido às inundações ocasionadas por chuvas torrenciais e pela cheia do Lago Guaíba. A proporção do desastre climático foi tamanha que 15% do território urbano foi inundado, além de mais de 150 mil habitantes terem ficado desabrigados. Não só a capital, mas diversas outras cidades do estado também foram afetadas, algumas devastadas.

Nos seus mais de 250 anos de história, Porto Alegre tem uma peculiar relação de amor e ódio com os edifícios altos. Alguns pesquisadores a chamam de a capital mais “verticalizada” do país. Entretanto, o Plano Diretor vigente limita a altura dos edifícios a 52 metros. Esse “título”, na realidade, se deve ao fato de a cidade ter a maior quantidade de habitantes (42,36% da população) morando em apartamentos em comparação com as capitais dos outros estados brasileiros.

Constroem-se muitos edifícios de estatura média (10 a 15 pavimentos) devido ao seu baixo Coeficiente de Aproveitamento — o mais baixo entre as demais capitais —, o que ocasiona o processo de espraiamento dos edifícios ao longo do território em vez de construções mais altas e concentradas para abrigar a população, que, aliás, vem diminuindo na última década.

Embora o espraiamento ocorra, Porto Alegre, no passado, foi uma cidade compacta. Poucos sabem desse fato, mas a capital dos gaúchos possui uma “Manhattan” encoberta por sucessivos planos diretores ao longo dos anos. Até 1960, suas regras urbanísticas eram inspiradas nos “sky exposure planes” da Zoning Law de 1916, de Nova York. Os edifícios altos eram projetados sem recuos frontais até certo pavimento, em razão da largura da rua, para que depois recuassem em determinada proporção, formando a conhecida volumetria “bolo de noiva”. Não é à toa que o ainda edifício mais alto da cidade, o Edifício Santa Cruz (107 metros e 32 pavimentos), foi construído com essas regras.

É verdade: desde a década de 1960, nenhum outro edifício ultrapassou a altura do Edifício Santa Cruz. Nesses últimos 60 anos, parece haver uma certa “vertigem” quanto às alturas por parte dos planejadores da cidade e uma enorme simpatia por afastamentos frontais, laterais e de fundos. Alguns pesquisadores afirmam que esse fato ocorre por motivos ideológicos, com o desejo de tornar a cidade mais “Brasília” e menos “Manhattan”. Uma pena, pois em lotes privados não há como planejar uma cidade como Brasília.

Desde 2019, a Prefeitura de Porto Alegre estuda revisar ou até mesmo mudar por completo seu Plano Diretor. Um dos principais objetivos é compactar a cidade novamente, retirando as restrições de altura máxima. Eu torço para que isso aconteça. Aliás, torço para que o novo Plano Diretor seja mais voltado para diretrizes de desempenho da edificação no lote do que para regras rígidas de zoneamento. O caminho para esse objetivo é árduo e longo, afinal, são mais de 60 anos de indução de um planejamento urbano que prejudicou o crescimento orgânico e espontâneo da capital dos gaúchos.”

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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