Um imposto como o de Henry George impediria a reciclagem da terra

5 de junho de 2023

Enquanto trabalhava em cidades da China pré-reforma nos anos 80 e na antiga União Soviética nos anos 90, fiquei surpreso com as ineficiências no uso do solo urbano. Observei contêineres enferrujados armazenados no centro de Tianjin e depósitos de carvão no centro de Moscou. As ideologias marxistas de ambos os países proibiam os usuários de vender a terra que ocupavam pelo seu valor de mercado, causando essas ineficiências. Em uma economia de mercado, a possibilidade de vender a terra pelo lance mais alto é o mecanismo que move constantemente os usuários de terrenos caros para um local mais barato quando sua atividade econômica não justifica o preço da terra que ocupam.

A reciclagem periódica do solo pelos próprios usuários é um mecanismo vital que submete as cidades em economias de mercado a um processo darwiniano que as adapta às mudanças nas condições econômicas e às mudanças tecnológicas. No entanto, algumas formas de tributação da terra podem impedir inadvertidamente a sua reciclagem.

Os municípios estão sempre buscando recursos financeiros para fornecer novas infraestruturas e serviços sociais para sua cidade. Os impostos sobre a propriedade cobrados anualmente sobre o valor de mercado da terra são uma forma comum e legítima de arrecadar dinheiro para financiar a operação e manutenção das cidades.

No entanto, desde que o economista Henry George publicou seu livro Progress and Poverty em 1879, defendendo um imposto que confiscasse o valor incremental total da terra urbana, os municípios sem dinheiro foram tentados a implementar suas teorias de capturar o que chamam de “valor da terra não merecido” (também conhecido no Brasil como mais-valia urbana).

Essa ideia de capturar a totalidade do aumento do valor da terra em seu estado subdesenvolvido é tão atraente que, com a queda da União Soviética em 1990, o economista americano Nicolaus Tideman enviou uma carta a Michael Gorbachev, então presidente da União Soviética, defendendo não privatizar a terra: “os usuários da terra não devem ser autorizados a adquirir direitos de duração indefinida por pagamentos únicos.” A carta foi assinada por 30 acadêmicos ocidentais, incluindo quatro ganhadores do prêmio Nobel de economia!

Suponha que aceitemos que o valor incremental da terra é o motor da reciclagem do uso da terra, que mantém a eficiência do uso da terra. Nesse caso, devemos avaliar cuidadosamente o impacto potencial de uma tributação como a de Henry George sobre o uso do solo de nossas cidades.

Imagine um casal recém-aposentado morando em Nova York e que possua um apartamento que comprou há 30 anos. O valor de mercado atual de sua casa é cerca de quatro vezes o que eles pagaram 30 anos atrás. Esse aumento de preço se deve em parte à inflação e em parte ao aumento da população e da renda na cidade de Nova York durante esse período. Eles gostariam de se mudar para um clima mais calmo e quente em um lugar mais barato para a aposentadoria. Vender sua casa pelo preço de mercado atual financiaria facilmente sua mudança, uma nova casa e provavelmente até permitiria uma renda extra de aposentadoria caso eles se mudassem para uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos.

Eles gostam do bairro de Nova York onde moram e têm seus hábitos lá, mas a grande quantia de dinheiro que ganhariam com a venda de sua casa em Nova York é um poderoso incentivo para se mudarem. A pessoa para quem eles venderiam sua casa provavelmente seria mais jovem e um trabalhador ativo, ansioso para viver mais perto dos empregos e comodidades de Nova York.

Se a venda ocorrer, o vendedor e o comprador se beneficiarão significativamente da transação. A economia de Nova York também será beneficiada, pois uma pessoa ativa substituirá um casal inativo. O governo poderá arrecadar mais imposto de renda que poderá ser usado para melhorar os serviços públicos, além do aumento do imposto predial refletir o valor de mercado atualizado arrecadado.

Suponhamos que Nova York introduza um imposto como o de Henry George sobre as propriedades imobiliárias. O imposto cobrado quando o proprietário original vende representará uma grande parte do valor do lote, pois é improvável que a casa tenha mudado muito. Um imposto como o de Henry George deixará o vendedor com o valor da casa como era 30 anos antes. Será insuficiente para cobrir a mudança ou mesmo para permitir a compra de uma casa no condomínio de sua preferência. O casal aposentado não teria como se mudar e ficaria em sua casa atual até morrer. A cidade, o casal de idosos e o trabalhador mais jovem perdem.

O mesmo se aplica à propriedade comercial ou industrial. O aumento do valor da terra criará um grande incentivo para mover uma propriedade comercial ou industrial de uma localização urbana central para um lote maior em um subúrbio distante ou em uma cidade menor.

Um artigo recente de Rachelle Alterman intitulado “A captura do ‘incremento não merecido’ no valor da terra ainda é uma ideia viável? Uma análise internacional” resume a experiência internacional em tributação georgiana em todo o mundo para aqueles intrigados por ela.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Urbanista, pesquisador do NYU Marron Institute e autor do livro Ordem sem Design.
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