A reabilitação urbana tem sido uma preocupação do governo de Portugal ao longo das últimas duas décadas, constituindo um exemplo de sucesso, ao contribuir para que várias cidades mantenham sua identidade e melhorem as condições de vida de seus habitantes.
Primeiramente previsto no Decreto-Lei n.º 104/2004, este modelo centrava-se na regulamentação da criação, funcionamento e poderes de autoridade das Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), responsáveis pela intervenção reabilitadora nas Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística e nas chamadas Zonas Históricas.
Posteriormente, por via do Decreto-Lei n.º 307/2009, dotou-se a reabilitação urbana de um enquadramento jurídico alargado, densificado e mais eficaz, enquadrando-a como parte da gestão urbanística corrente dos municípios. As entidades gestoras das operações de reabilitação urbana podem corresponder ao próprio município ou a entidades do sector empresarial local, existentes ou a criar. Se estas tiverem por objeto social exclusivo a gestão de operações de reabilitação urbana, serão denominadas SRU, admitindo-se, em casos excepcionais, a participação de capitais do Estado na sua estrutura.
A reabilitação urbana em Portugal está estruturada em torno de dois conceitos fundamentais: o de “área de reabilitação urbana” (ARU) e o de “operação de reabilitação urbana” (ORU). Por ARU designa-se a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, infraestruturas, equipamentos e espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, justifique uma intervenção integrada, através de uma ORU, aprovada em instrumento próprio ou em Plano de Pormenor de reabilitação urbana.
A aprovação de uma ARU atribui à área em causa um conjunto significativo de efeitos, nomeadamente o da definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o patrimônio, mas também o do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, para os próprios proprietários, em sede de impostos sobre o rendimento ou mesmo de aplicação de taxa mais reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável às obras de reabilitação.
A ORU é não mais do que o conjunto articulado de intervenções que visam à reabilitação urbana de uma determinada área, de forma integrada. Embora a cada ARU corresponda uma ORU, as mesmas estão autonomizadas na lei, pelo que os procedimentos podem ocorrer em simultâneo ou ser, primeiramente, aprovada a delimitação de uma ARU e só posteriormente definido o tipo de operação de reabilitação urbana a promover, caducando a delimitação da ARU se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente ORU.
A operação de reabilitação urbana poderá ser simples, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, ou sistemática, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público.
A entidade gestora da operação de reabilitação urbana pode exercer, para efeitos de execução da operação de reabilitação urbana, poderes de licenciamento e admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas e autorização de utilização; inspeções e vistorias; medidas de tutela da legalidade urbanística; cobrança de taxas; recepção de concessões ou compensações devidas.
A entidade gestora pode ainda utilizar, consoante o tipo da respetiva operação de reabilitação urbana, instrumentos de autoridade pública, tais como: imposição da obrigação de reabilitar e obras coercivas; demolição de edifícios; arrendamento forçado; constituição de servidões; expropriação ou venda forçada.
Merece também uma referência a possibilidade de reabilitação isolada de edifícios ou frações, mesmo que não integrados em ARU, verificados que sejam a existência de uma construção concluída legalmente há, pelo menos, 30 anos, e na qual, em razão da sua insuficiência, degradação ou obsolescência, se justifique a intervenção reabilitadora (Decreto-Lei n.º 95/2019).
Salientamos que o IFFRU 2020, Instrumento Financeiro de Reabilitação e Revitalização Urbanas, o maior programa de incentivo à reabilitação urbana lançado em Portugal (em funcionamento até 2023), chegou a ser distinguido como um case study de sucesso pela Comissão Europeia e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI).
Cremos que o grande e atual desafio da reabilitação urbana em Portugal, estabilizado que está o seu suporte jurídico, será o de se adaptar aos novos tempos.
Isto significará não só acomodar a necessária adaptação e prevenção das alterações climáticas, como exigir que a reabilitação tenha em linha de conta o facto de Portugal ser já um dos países mais envelhecidos do Mundo, tornando as suas cidades amigas do idoso, e, por essa via, de todas as idades.
Texto de Joana Silva Aroso, advogada e sócia da JPAB — José Pedro Aguiar-Branco & Associados, Sociedade de Advogados SPRL.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.