Trabalho presencial, consumo digital?

13 de maio de 2025

Vou ao escritório no Centro de São Paulo de segunda a sexta-feira. Embora seja um aguerrido defensor de jornadas de trabalho mais flexíveis (em plena era do trabalho imaterial, muitas vezes ainda parecemos presos à lógica da atividade fabril), acredito que as interações sociais sejam indispensáveis para o desenvolvimento de boas ideias e bons projetos.

Grandes executivos do setor de tecnologia concordam com isso. Reed Hastings, cofundador da Netflix, por exemplo, chegou a dizer em plena pandemia que não via nada de positivo no trabalho remoto. Isso porque a redução dos contatos sociais prejudicaria a criatividade e a cultura corporativa de sua empresa.

Esse entendimento parece estar por trás da volta ao trabalho 100% presencial de outra gigante da tecnologia, a Amazon. Neste ano, a filial brasileira, seguindo o direcionamento da matriz norte-americana, deu início ao processo de retorno ao escritório em cinco dias da semana para seus cerca de 18 mil funcionários em todo o país.

Em São Paulo, a volta da equipe ao escritório significa demanda por mais espaço, o que deve resultar na mudança de endereço da empresa para Pinheiros, bairro mais descolado, com aluguéis mais baratos do que a Faria Lima e que parece estar se tornando o novo polo das empresas de tecnologia – a Netflix também está de mudança para lá

A expansão do trabalho remoto teve impactos significativos na dinâmica da capital paulista, com destaque para a redução dos deslocamentos e do número de viagens dos moradores, conforme apontado pela última Pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrô.

Se, por um lado, essa redução dos deslocamentos pode ter um efeito positivo (mas difuso) nos bairros, ela tende a ser negativa para a atividade econômica nos tradicionais polos de emprego e serviços, como o Centro da cidade.

Ainda que as ruas do Centro continuem bastante movimentadas, há dezenas de estabelecimentos fechados e placas de “aluga-se”, o que pode ser atribuído em parte ao fato de que muitas empresas da região mantêm o regime de trabalho híbrido, mas também à concorrência crescente do comércio eletrônico, de empresas como a Amazon.

As mudanças de hábitos de consumo advindas dos avanços tecnológicos, por sinal, não afetaram somente o comércio popular, como o do Centro, mas também outros setores de serviços, como as salas de cinema, que ainda não conseguiram retomar o número de espectadores do período pré-pandemia, em parte por causa da concorrência crescente com as plataformas de streaming, como a Netflix.

Ou seja, da mesma forma que o trabalho remoto pode ser prejudicial para a atividade econômica nos polos de emprego – e para a vitalidade das cidades, de maneira geral –, mais consumo digital, para as cidades, parece significar menos estabelecimentos comerciais e menos gente na rua, também comprometendo, com isso, a vitalidade urbana.

Além disso, da mesma forma que o trabalho remoto nas empresas de tecnologia não consegue inspirar a criatividade que surge de reuniões espontâneas, o consumo digital, ao manter as pessoas em casa, também prejudica as interações sociais e os encontros espontâneos que as cidades podem proporcionar – e que fazem delas locais tão interessantes e estimulantes.

Portanto, para nós que valorizamos a vida urbana, será que essas determinações de volta ao trabalho presencial nas grandes empresas de tecnologia não deveriam ser entendidas também como gatilhos para refletirmos sobre os impactos do consumo digital nas cidades?

Será que essa volta ao trabalho presencial também não deveria ser entendida como um chamado para fazermos menos compras no comércio eletrônico e mais nas lojas de rua? E ficarmos menos tempo em frente às telas nas plataformas de streaming, e mais tempo nas salas de cinema da cidade?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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