Tapas da mão invisível

25 de junho de 2025

“Mão invisível” é a famosa metáfora apresentada por Adam Smith para dar conta dessa espécie de força que guia as decisões individuais, levando ao equilíbrio entre oferta e demanda. Também é dele a ideia de que indivíduos buscando seus próprios interesses, sem intenção de beneficiar a sociedade, acabam promovendo o bem-estar social de forma não intencional.

Hoje sabemos que nem sempre decisões individuais auto interessadas promovem o máximo bem-estar social (pensemos nos muros altos dos condomínios, por exemplo). A “mão invisível”, contudo, permanece como uma excelente metáfora da capacidade de compradores e vendedores se ajustarem em busca de equilíbrio, mesmo em mercados regulados.

“A mão invisível funciona nem que seja para dar um tapa na sua cara”, brincou recentemente um palestrante em evento ao qual tive o prazer de assistir, e achei que valia um registro aqui.

Corrijo-me. Vale não só um registro: a frase, na verdade, deveria estar grafada em letras garrafais em todos os departamentos de planejamento urbano Brasil afora, que nem sempre parecem levar em conta as prováveis reações do mercado imobiliário às rígidas regulações de uso e ocupação do solo.

Peguemos alguns resultados da regulação observados em São Paulo. As fachadas ativas, por exemplo, que passaram a receber incentivos construtivos. Lojas no térreo dos prédios são, sem dúvida, elementos desejáveis nas cidades, e mil vezes preferíveis a muros ou grades, já que tendem a estimular o vai e vem de pedestres e tornar as calçadas mais vibrantes e seguras.

Fachadas realmente ativas, porém, não são elementos meramente arquitetônicos. Elas dependem, sim, de um bom desenho dos espaços, mas também de outros fatores como densidade demográfica, fluxo de pessoas e potencial de consumo do entorno.

Ao dar incentivos construtivos a espaços para lojas no térreo, o que temos visto é a proliferação desses elementos nos eixos de transporte público. Muitos deles, contudo, estão há muito tempo vazios, pois foram construídos sem o devido cuidado, como simples resultado da maximização do potencial construtivo dos empreendimentos.

Outro exemplo é a fraude já identificada nas habitações sociais incentivadas em bairros muito ricos. Por melhor que fossem as intenções do planejamento urbano, de favorecer uma maior diversidade de rendas no centro expandido, o que vimos em muitos casos foi a compra por investidores, sendo os imóveis destinados para aluguel de curta duração (extremamente rentável) e não para a população de baixa renda.

No caso da fruição pública, também incentivada, não é difícil encontrar pela cidade espaços desses por onde ninguém passa. E não poderia deixar de mencionar as varandas enormes dos apartamentos, não contabilizadas no cálculo do potencial construtivo (exatamente para incentivar áreas abertas), mas logo fechadas por painéis de vidro e incorporadas ao cômodo contíguo.

Conforme muito bem analisado pelo meu colega colunista Luis Henrique Villanova, a própria lógica do planejamento baseado em regras rígidas favorece a uniformidade (monotonia?), além de dificultar a inovação e a adaptação contextual.

Há quem insista em colocar toda a culpa desse tipo de problema na ganância do mercado imobiliário. Em casos que envolvam fraudes, os responsáveis, sem dúvida, devem ser devidamente punidos. Quando as ações se dão dentro dos limites da lei, por mais que sejam válidas as críticas à qualidade da produção imobiliária, cabe questionar se os problemas não são decorrentes da própria regulação.

Reza a lenda (em uma de suas muitas versões) que a seleção brasileira estava prestes a enfrentar a União Soviética, na Copa de 1958, quando o treinador Vicente Feola teria dado a seguinte instrução a Garrincha: “Você recebe a bola e dribla o lateral russo. O quarto-zagueiro virá na cobertura e você o dribla também. Já na linha de fundo, cruze para a área, onde Vavá estará livre, porque o zagueiro central terá saído para cobrir o quarto-zagueiro”. Garrincha teria concordado, mas emendado a célebre pergunta: “O senhor combinou com os russos?”’.

Definitivamente não são boas intenções o que falta nos departamentos de planejamento urbano. Faltam, talvez, mais Garrinchas para lembrar que o mercado imobiliário nem sempre vai agir conforme o idealizado. E que a “mão invisível” funciona, sempre, nem que seja para dar um tapa na nossa cara.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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