A humanidade só coletava até que alguém, talvez movido pela preguiça, quem sabe inspirado por algum pôr de sol às margens de um rio no Oriente Médio, viu uma outra possibilidade. A preguiça e a beleza do cenário podem ter impulsionado a mudança que reorganizou a humanidade com comunidades partilhando o mesmo local e colaborando entre si. A agricultura foi a disrupção tecnológica, mas a “plataforma” sobre a qual essa mudança tectônica se desenrolava eram as cidades.
Enquanto cidades foram erguidas em tijolos, elas foram baixas, mas tão logo adotaram a pedra, a madeira, o concreto e o aço, alcançaram vários pavimentos, até o surgimento do elevador, implodindo o limite e explodindo a densidade, criando prosperidade, impulsionando o desenvolvimento tecnológico e a saúde pública.
A Revolução Industrial, o crescimento sem qualidade e a deterioração de centros urbanos criaram um movimento paradoxal, de segregação de usos, preconizando a separação geográfica por usos e isolando atividades não residenciais dos locais de moradia. E com a separação, as zonas residenciais eram todas unifamiliares, contrapondo usos mistos e prédios, apresentados como indutores da favelização e inimigos da saúde pública.
A restrição era de usos, mas também de grupos étnicos e classes sociais. Ao proibirem prédios, restringiram também a vizinhança e inventaram o espraiamento, os subúrbios, os enclaves de classe social, as cidades setorizadas e um tipo de exclusão social mais “estruturada”, por assim dizer, na medida em que a mobilidade social era muito mais difícil, porque precisava vir acompanhada da mobilidade geográfica e urbana.
A setorização e o espraiamento respondem pelo esvaziamento dos centros urbanos em grande parte das metrópoles mundiais e explicam a degradação, a insegurança e a feiura. Mas respondem igualmente pelo esfacelamento de comunidades, do vínculo entre pessoas e por uma espécie de perda da identidade e da “urbanidade” enquanto conjunto de princípios de convivência, harmonia e confiança.
O que já não estava bom, piorou com a pandemia e o trabalho remoto. Atualmente, toda cidade que se preza quebra a cuca e queima pestana desenvolvendo planos de readensamento das zonas centrais, seja com estímulo a novos prédios residenciais, seja por meio da reconfiguração de edifícios comerciais em moradias (retrofit).
Cada metrópole tem a sua visão, mas os melhores resultados vêm quando o gestor e o legislador conseguem montar, em conjunto, uma estrutura legal em 3 pilares: visão de longo prazo (para a cidade como um todo); uma estrutura legal clara (objetiva e enxuta); e incentivos reais e cruzados (benefícios de investimentos no centro sendo revertidos também para outros setores da cidade).
Já fui a favor de centros administrativos, tanto é que desenvolvi, como parte de uma grande equipe, um plano diretor de desenvolvimento do entorno da Cidade Administrativa de Minas Gerais, usando a âncora para criação de uma centralidade.
Quase 20 anos depois, nem Belo Horizonte superou a perda, nem a centralidade foi desenvolvida. Para piorar, os municípios contíguos continuam se vendo – e se comportando – como subúrbios de baixa densidade.
O Estado de São Paulo faz algo parecido, mas de uma forma diferente, com um projeto (escolhido em concurso público, só isso uma evolução e indicativo civilizatório e democrático) para centralizar operações, mas em um bairro central degradado da cidade. Se será bom para a cidade, apenas o tempo dirá.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.