Um amigo economista recentemente me expôs, ironicamente, o seu seguinte dilema: “como defender a verticalização de São Paulo e continuar ouvindo impunemente a música ‘Lucro (Descomprimindo)’ do BaianaSystem, da qual gosto tanto?”.
Para quem não conhece, vale a pena ouvir. A canção é ótima, apesar de criticar (ou exatamente por criticar) o mercado imobiliário. Vai, aí, da visão nem sempre bem fundamentada de cada um.
Dizem os primeiros versos da canção do grupo baiano: “Tire as construções da minha praia / Não consigo respirar / As meninas de mini saia / Não conseguem respirar / Especulação imobiliária / E o petróleo em alto mar / Subiu o prédio eu ouço vaia”.
Apesar de falar de uma cidade brasileira litorânea, a letra exprime bem o sentimento de muitos moradores de bairros ricos ou tradicionais de São Paulo, avessos à verticalização dos seus quintais mesmo morando, em muitos casos, em prédios tão ou mais danosos à vida urbana quanto os novos em construção.
Ela ainda reproduz o uso recorrente e, na minha opinião, equivocado do termo “especulação imobiliária”, conforme já analisei em artigo no Caos Planejado. Ainda assim, feitas essas ressalvas, a crítica ao atual processo de verticalização em São Paulo é compreensível. Ela, porém, não deveria estar direcionada ao processo de verticalização em si, como na música, mas à qualidade dessa verticalização.
Afinal, se em teoria a verticalização pode desempenhar um papel fundamental no desejado adensamento populacional das áreas centrais da cidade, o resultado, na prática, de fato tem deixado a desejar.
O perfil de ocupação dos novos imóveis nos eixos de estruturação não parece estar atendendo plenamente aos objetivos de adensamento populacional e maior uso do transporte público definidos pelo último Plano Diretor.
Parte da explicação está na oferta elevada de vagas de garagem e no alto padrão dos novos imóveis construídos nessas áreas. A principal tentativa de evitar essa configuração parece ter falhado, visto que as habitações de interesse social nos bairros ricos, que contaram com incentivos construtivos, não estão sendo devidamente ocupadas pela população de baixa renda.
Enquanto isso, bairros planejados e grandes conjuntos habitacionais seguem se desenvolvendo longe das zonas centrais, quase sempre com o incentivo de programas públicos, como o Minha Casa, Minha Vida. O Centro, por sua vez, apesar de alguns avanços importantes, segue com centenas de imóveis ociosos ou subutilizados, mesmo se sabendo que, por mais caro e complexo que seja converter antigos imóveis não residenciais em unidades habitacionais, esses custos podem ser compensados quando levamos em consideração fatores relacionados às externalidades e à eficiência econômica.
Em bairros consolidados, antigas casas ocupadas por comércios estão sendo substituídas por prédios com espaços para lojas no térreo que ou não são ocupados, ou reduzem a variedade do comércio local e a vitalidade urbana. O quadro é agravado pela falta de diversidade na tipologia dos novos imóveis.
Uma visão mais simplista, como a apresentada na letra, vai atribuir todo o problema ao “Lucro/Máquina de louco”, conforme cantado em seus versos.
Fosse isso verdade, o sistema capitalista não teria sido capaz de produzir tantas cidades incríveis, entre as quais Buenos Aires, Tóquio e Nova York, esta símbolo máximo do capitalismo. As cidades soviéticas também não seriam, em muitos aspectos, modelos exatamente do que não devemos fazer – apesar desses modelos continuarem sendo replicados, por exemplo, nos nossos conjuntos habitacionais na periferia.
Uma coisa, porém, é certa: mantida a dinâmica atual de desenvolvimento urbano, é São Paulo, com sua carência de bons espaços públicos, custo da moradia, congestionamentos e sensação de insegurança crescentes, que vai se configurar definitivamente como uma verdadeira “máquina de louco”.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.