O convite mais singelo e menos oneroso que há é um banco numa sombra, mas como isso é controverso!
Ano passado, fizemos — professores e estudantes da FAU UnB — uma atividade com um grupo de moradores de classe média alta de uma das quadras 700 de Brasília, que são compostas de casas unifamiliares geminadas. Partiu deles a ideia de que os alunos poderiam sugerir soluções para alguns problemas urbanos do local, além de propor tratamento paisagístico para seus espaços públicos.
Na nossa ida a campo, eles nos receberam com um café da manhã, conversaram bastante e passearam conosco pelos arredores. Muitos tinham crianças pequenas e lamentavam a falta de um lugar mais estruturado para que pudessem permanecer ao ar livre com elas, descansar ou interagir com os vizinhos. Os espaços públicos de lá são bem arborizados, mas não têm nada além de árvores e grama.
Perguntei a uma moradora que ideia eles tinham para lá, e ela comentou comigo algo como: “a gente até pensou em colocar uns bancos, mas aí podia atrair morador de rua…”
Esse temor é muito comum. As pessoas se ressentem de não ter um espaço público bacana, que forneça apoio às atividades da vizinhança, mas a simples ideia de que o espaço possa ser usado de uma forma diferente, por pessoas diferentes das que elas imaginam, incomoda a ponto de se desistir dele.
Vejamos: os moradores queriam uma área para permanência. Não há permanência sem um convite para se permanecer, e o convite mais singelo e menos oneroso que há é um banco numa sombra. A existência de um banco pode atrair uma pessoa em situação de rua?
Sim (o que não deveria ser considerado um problema), mas pode atrair também todos os vizinhos e suas crianças, um idoso, uma mulher grávida, o pessoal da limpeza urbana que quer descansar um pouco. Um banco pode oferecer uma base para os pais trocarem a fralda do filho, um apoio para colocar o lanche ou armar um jogo de tabuleiro.
A não existência de um banco afasta todo mundo.
William H. Whyte (1917-1999), sociólogo americano, em seu maravilhoso livro “A vida social dos pequenos espaços urbanos” (The social life of small urban spaces, ainda sem tradução para o português), diz que a principal razão para não termos mais espaços públicos bacanas por aí é o medo dos “indesejáveis”. Ele não colocou o termo entre aspas, mas eu sempre coloco. Elas são fundamentais.
Quem são os “indesejáveis”? Usuários de drogas, bandidos? Que nada. Vamos ampliar o leque (vou usar aqui todo tipo de reclamação que já ouvi em Brasília): adolescentes conversando e rindo. Pessoas praticando esportes coletivos. Crianças brincando no parquinho. Frequentadores de barraquinhas de lanche ambulantes. Artistas de rua. O tio da pamonha. Pasmem: praticantes de yoga ao ar livre.
Pela amostra, todo mundo — nós, inclusive — em alguma hora do dia, em algum dia da semana, de acordo com o humor de quem avalia, vai ser considerado “indesejável”. Quem seriam, então, os “desejáveis”? As pessoas que agem de acordo com as nossas expectativas? Vamos ser realistas, a gente não encontra isso nem na nossa família.
Nós ainda precisamos nos acostumar com a ideia de que um espaço público, mesmo que esteja em nosso bairro, é de todo mundo e pode abrigar várias atividades (isso não quer dizer que vale tudo: há combinados a serem feitos, a depender da natureza do lugar).
Isso só vem com a prática, mas a gente precisa começar de algum ponto. Sugiro que se comece colocando um banco (daqueles generosos, não os da arquitetura hostil) e lidando com ele. Se não se está convencido de colocar uma coisa tão simples e fundamental como um banco, não há nada que se possa fazer pelo local.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.