Será Copacabana a Barcelona brasileira?

9 de outubro de 2024

Durante minha pesquisa de mestrado, nas visitas que fazia às ruas do bairro de Copacabana, sempre perguntava às pessoas se sabiam o que existia atrás dos edifícios. Quando comentava que existiam grandes espaços livres no interior das quadras, a maioria não acreditava em mim, e isso acontecia até com moradores muito antigos do bairro. Somente os que moravam nos apartamentos dos fundos tinham noção do que eu falava. Mas que espaços são esses? Será que é como no Plano Cerdá em Barcelona?

Esses espaços são nomeados pela legislação urbanística carioca como “áreas coletivas”. Elas se formaram na década de 1940 em bairros como Copacabana, Flamengo e Catete. Até então, os novos edifícios eram construídos sem afastamentos laterais, ou seja, colados às divisas e sem nenhum parâmetro de adensamento, sendo que as projeções horizontais podiam se estender por todo o lote, deixando apenas prismas de ventilação para as partes internas das unidades, o que permitia que as edificações ficassem próximas umas das outras, e que prejudicava a iluminação e ventilação.

Com inspiração na proposta feita por Alfred Agache em 1930, para a criação de quadras com áreas internas na área central da cidade como uma forma de assegurar algum tipo de qualidade de aeração e iluminação ao conjunto de edifícios das quadras, foi criado, através de um instrumento chamado “Planta de Zoneamento”, limites de profundidade para as edificações em 1946. No caso de Copacabana, essa planta determina um limite de profundidade por quadra, para as novas edificações, que variam entre 23 e 30 metros, dependendo da largura da quadra. Com isso, à medida que foram sendo construídas novas edificações, respeitando esse novo alinhamento interno, foram sendo criados no miolo das quadras espaços livres que garantiram condições bem melhores de iluminação e aeração.

É importante destacar que essa proposta foi desenvolvida com base na malha urbana existente, resultante dos primeiros loteamentos do bairro, realizados no final do século 19. Esses loteamentos eram destinados a residências unifamiliares de dois pavimentos e seus lotes apresentavam testadas que variavam, em média, entre 10 e 15 metros. Portanto, a proposta das “áreas coletivas” não alterava a base fundiária de Copacabana. Caso a legislação urbanística exigisse lotes maiores para a construção de novas edificações, essas teriam que ser construídas no centro do terreno, ou seja, afastadas das divisas. No entanto, desde o início do século 20, o bairro já se consolidava com edifícios colados uns aos outros, característica que se tornou uma marca de Copacabana.

Em relação à percepção e apropriação das “áreas coletivas”, é importante observar que, devido à ocupação intensa, já existiam edifícios anteriores à Planta de Zoneamento. A intenção de ter um desenho aos moldes de Barcelona e do Plano Cerdá, com a possibilidade de uso público dos espaços livres intraquadras, não se concretizou. No entanto, em diversas quadras esses espaços foram consolidados, proporcionando uma qualidade de aeração e iluminação para os apartamentos fundos, que muitas vezes resultava em áreas maiores do que as das unidades voltadas para a rua.

Gostaria de convidá-los a um passeio pelo Google Earth, onde poderão ver e apreciar esses espaços livres, tão desconhecidos pela maioria das pessoas.

Foto: Rogerio Cardeman

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1991), é Mestre em Arquitetura (2010) e Doutor em Arquitetura (2014) pelo PROARQ da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. É professor da Universidade Veiga de Almeida e do Mestrado Profissional no Programa de Pós-graduação em Projeto e Patrimônio da UFRJ. Sócio do escritório DCArquitetura e consultor de Planejamento Urbano. Autor de quatro livros sobre as transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro.
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