Sempre foi sobre liberdade, nunca sobre controle

27 de fevereiro de 2025

Leio bastante sobre urbanismo e cidades desde que me formei em arquitetura e urbanismo 35 anos atrás. Ao longo de todo esse tempo, poucos livros desses assuntos me impactaram tanto quanto ”Vida e Morte das Grandes Cidades” por Jane Jacobs, “A História Secreta de Paris” por Andrew Hussey e, agora, “Metrópole: A história das cidades, a maior invenção humana” por Ben Wilson. 

Foi neste último onde aprendi que a história das cidades não é uma, mas muitas trilhas tomando forma em paralelo, além daquela centrada nas cidades europeias.

“Ao longo da Idade Média, dezenove das vinte maiores cidades do mundo eram muçulmanas ou parte do Império Chinês. (A única cidade não muçulmana e não chinesa nessa lista era Constantinopla.) A riqueza e a energia do mundo humano estavam concentradas em uma rede de cidades trançadas como um colar de pérolas sobre a terra e o mar, partindo de Córdoba, na Espanha, e de Gana, na África Ocidental, até Guangzhou, na China, tendo Bagdá como ponto radial. Se para a Europa era a Idade das Trevas, a maior parte do resto do mundo desfrutava de uma idade de ouro.”

“O influxo de conhecimento do Oriente e do Ocidente, e sua colisão resultante, é bem ilustrado pelas grandes realizações de Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi (c. 780-c. 850). Lá (Casa da Sabedoria de Bagdá), absorveu as enormes coleções de obras gregas, babilônicas, persas, indianas e chinesas sobre matemática, geometria, ciência e astrologia, toda uma gama de conhecimentos reunidos pela primeira vez em Bagdá. O resultado revolucionário foi o Compêndio sobre cálculo por restauração e balanceamento. Nele, al-Khwarizmi deu um passo gigante para a compreensão da matemática. Sua magnum opus reunia geometria grega antiga, matemática chinesa e teoria dos números indiana; ele as usou para lançar as bases da álgebra moderna e, com isso, um método para solução de equações lineares e quadráticas. Seu segundo grande trabalho em aritmética, o livro de adição e subtração segundo o cálculo hindu, teve uma consequência igualmente impactante: introduziu o sistema de numeração hindu no mundo árabe e, depois, na Europa.” 

Se a Idade Média representou a escuridão, foi apenas para as cidades e comunidades europeias, porque no Oriente Médio e na Ásia as cidades (e tudo o mais) se desenvolviam a passos largos, numa trilha diretamente conectada ao helenismo e à civilização grega.

“Nos séculos imediatamente anteriores e logo após o início da Era Comum, Alexandria era o cenário onde se davam os avanços gigantescos no conhecimento. A partir da década de 1660, era Londres que fervilhava de entusiasmo científico, seguindo-se à fundação da Sociedade Real de Londres para a Promoção do Conhecimento Natural — a Royal Society —, que funcionava como ponto de encontro para Isaac Newton, Robert Boyle, John Locke, Christopher Wren e Robert Hooke, entre outros luminares. Situada cronologicamente a meio caminho entre essas revoluções científicas, Bagdá se junta a Alexandria e Londres como um dos três sítios marcados por revoluções científicas antes do período moderno. Por que tais episódios de aceleração do conhecimento humano ocorreram nessas cidades em suas respectivas épocas? Não há uma resposta fácil, é claro, mas, de saída, pode-se dizer que essas três cidades compartilhavam uma série de características que atuaram juntas. Em primeiro lugar, eram centros poderosos em termos políticos e comerciais. Em segundo, contavam com elites ambiciosas, dispostas a financiar a experimentação científica. Em terceiro, tinham uma opinião pública animada e curiosa, o que ajudava a criar uma cultura de pesquisa e investigação. Por fim, eram centros que, acima de tudo, abriam suas portas para novas ideias e novas pessoas.” 

“Na cidade, ‘polimos uns aos outros e eliminamos nossas arestas e asperezas por uma espécie de colisão amigável’, escreveu o conde de Shaftesbury em 1711. Mais tarde, o filósofo escocês David Hume afirmou que os homens e as mulheres que ‘se bandeiam para as cidades’ vivenciam ‘um aumento de humanidade, pelo hábito de conversar entre si, contribuindo para o prazer e o entretenimento umas das outras.’”

Em comum entre todas essas grandes cidades, sempre, a liberdade de ir e vir, a liberdade religiosa, a liberdade de comerciar e de experimentar, fazendo do intercâmbio de pessoas, culturas, ideias e mercadorias os ingredientes que, juntos, criaram o caldo civilizatório que nos trouxe até aqui.

Sempre foi sobre liberdade, nunca sobre controle.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
VER MAIS COLUNAS