A partir da perspectiva de que mais de 85% da população brasileira vive em cidades, não é difícil concluir que a temática urbana nos é cara e relevante.
Refletir a respeito de práticas e modelos responsáveis, visando a qualificação das cidades, vem ocupando profissionais, investidores, políticos e a sociedade ao redor do mundo.
A pergunta – “Que cidade queremos?” vem se multiplicando em publicações, pesquisas e vertentes do urbanismo por todos os cantos do planeta urbanizado.
Pois é… neste sentido trago para nossa reflexão um conceito, uma meta ou senão uma metodologia…por que não?!
Refiro-me à Saúde Urbana, que tem sido nosso objeto de estudos ao longo da nossa trajetória profissional. Tais estudos têm nos levado a questões estruturantes. A primeira delas é adotar como premissa que diagnosticar e propor intervenções em territórios urbanos deve-se dar a partir da ótica da Saúde.
Mas de qual Saúde estamos falando?
Evidentemente, não se trata de garantir exclusivamente a oferta de serviços assistenciais às pessoas que vivem nas cidades, mas sim de detectar primeiramente quais as patologias existentes. As cidades têm patologias, anomalias, vícios, deficiências, das mais variadas sortes. Há que se detectar quais são elas para se buscar oportunidades de intervenção que tratem destes males com o intuito de conquistar condições de saúde.
A pergunta continua… mas de qual Saúde estamos falando?
O melhor termômetro para medir a saúde das cidades são os seres vivos que nela vivem: animais, vegetais e seres humanos… E, neste sentido, estamos falando, antes de medi-la, em reconhecer as diversas formas de manifestação da Saúde em seus universos FÍSICO, MENTAL e EMOCIONAL.
Vamos então fazer um largo passeio pelas cidades e organizar os elementos estruturais e qualificadores que cabem em cada vetor da Saúde Urbana.
Na caixinha da SAÚDE FÍSICA poderíamos colocar a garantia de acesso ao Saneamento, à Assistência, à Mobilidade, ao Conforto térmico e acústico, à Qualidade do ar e das Águas, à ampla Segurança do caminhar, ao Meio Ambiente.
Na caixinha da SAÚDE MENTAL poderíamos acomodar a garantia de acesso ao Esporte e atividades físicas em geral, ao Ensino, à Cultura, ao Lazer, à Convivência, à Comunicação, à Moradia e ao Trabalho.
E, na caixinha da SAÚDE EMOCIONAL poderíamos ter a garantia da construção do sentimento de identidade, de pertencimento, de Inclusão, de Segurança. Ter oportunidades e estímulos em prol da Criatividade, da Ludicidade, do Ócio. Criar condições de orgulho de si e de seus lugares de bem viver.
A partir da combinação destes diversos elementos passamos a nos aproximar do nosso objetivo de conquistar soluções que promovam a saúde urbana.
Nossa próxima pergunta: Mas como atingirmos e tocarmos os universos da saúde física, mental e emocional das e nas cidades?
Reportando-me aqui tanto para profissionais da área do urbanismo como também para todos os cidadãos, moradores em territórios urbanos, arrisco-me a propor dois caminhos de resposta: o primeiro deles relacionado às boas práticas do desenho urbano e o segundo às boas práticas de governança.
Aos profissionais do urbanismo: com relação ao desenho urbano é importante olharmos com profundidade e seriedade para o que tem sido tradicionalmente no Brasil a formação do
arquiteto urbanista. Apesar de uma excepcional formação nas áreas da arquitetura e uma boa formação na área do planejamento urbano, a capacitação na área do desenho urbano tem sido, historicamente, de menor intimidade desde a formação acadêmica, passando pelas pouquíssimas oportunidades e realizações profissionais no território nacional. Em um país continental como o Brasil, contamos nos dedos os bons exemplos de desenhos urbanos estruturadores ou até transformadores de cidades.
Aos cidadãos: evidentemente, intervenções transformadoras nas cidades não dependem
exclusivamente de um bom desenho urbano, mas também de uma mentalidade que reconheça valor na qualificação e na manutenção de seus espaços e serviços públicos. É neste contexto que me refiro às boas práticas de governança.
Esta mentalidade, ou melhor, a ausência dela na cultura do brasileiro, está refletida na estrutura administrativa das três esferas federativas do nosso país que, explicitamente, deflagra sua ineficiência em atuar de forma integrada entre as diversas pastas e competências públicas. Na priorização da nossa estrutura política, com “p” minúsculo, das ações ações de curto prazo que garantam visibilidade partidária ao invés da implementação de ações complexas de longo prazo. Na preferência do setor público pela realização de obras de impacto, ao invés da continuidade de boas ações pré-existentes.
Na postura do setor privado, de não se ocupar de ações de qualificação do bem público. Na sociedade em geral, que reivindica direitos e qualificação dos bens públicos mas que, historicamente, é ainda pouco ativa e comprometida, apesar de progressivamente mais do que no passado, na qualidade de corresponsável pelo zelo do patrimônio público.
A partir de um panorama complexo, visando o sucesso de conquistarmos a saúde urbana em nossas cidades, proponho, inicial e necessariamente, buscarmos um afastamento da ingenuidade e do pessimismo.
E, a partir de então, apostarmos em escalas de atuação possíveis onde a oportunidade transformadora trazida pelo desenho urbano venha acompanhada das soluções de governança, no tamanho das mãos, garantindo viabilidade de execução, manutenção e zeladoria destas áreas transformadas onde os responsáveis pelas ações do bem cuidar e usufruir não sejam ocultos e que tenham estabelecidas entre si as regras da boa comunicação e do zelo.
Assim… a partir das pequenas intervenções, apostando numa perspectiva multiplicadora e, também, na possibilidade transformadora, de longo prazo, de mudança de mentalidade ampliando a valorização do bem público, poderemos pouco a pouco colaborarmos na construção de cidades mais saudáveis.
Vamos em frente que há muito trabalho a ser feito!
Saudações Polifônicas!
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.