Saneamento, gênero e dignidade: o direito de não precisar arriscar a vida para ir ao banheiro
31 de outubro de 2025Você já imaginou ter que sair da sua própria casa à noite apenas para usar o banheiro e nunca mais voltar?
Essa é uma realidade brutal vivida por milhões de mulheres em todo o mundo. Uma realidade que não cabe em estatísticas nem em relatórios técnicos, porque fala do limite entre o corpo, o território e a dignidade humana.
Durante meu doutorado como visitante na Universidade de TU Delft, na Holanda, assisti às aulas da professora Faranak Miraftab, especialista em planejamento insurgente, urbanismo humano e políticas de gênero. Em uma de suas aulas, ela compartilhou um relato que permanece ecoando em mim, uma história de violência que revela as dimensões mais perversas da desigualdade urbana e de gênero.
Em 2012, no estado de Bihar, na Índia, duas irmãs adolescentes deixaram suas barracas à noite em busca de privacidade para defecar ao ar livre. Elas nunca voltaram. Seus corpos foram encontrados mortos e violentados, pendurados em uma mangueira. Naquele mesmo ano, segundo a polícia local, centenas de estupros poderiam ter sido evitados se houvesse acesso seguro a banheiros.
Essa tragédia expõe a face invisível de uma crise global: a ausência de saneamento seguro. O que parece uma questão técnica ou de infraestrutura é também uma questão de direitos humanos, políticas de gênero e proteção social. A falta de banheiros adequados expõe mulheres e meninas a riscos diários, reforçando ciclos de medo e vulnerabilidade.
A Organização das Nações Unidas (2022) estima que mais de 419 milhões de pessoas ainda praticam a defecação a céu aberto, e que as mulheres são as mais afetadas por essa realidade. Em muitas comunidades, meninas deixam de frequentar a escola quando menstruam por falta de instalações sanitárias adequadas, uma exclusão silenciosa, mas devastadora.
Nenhuma mulher ou menina deveria precisar arriscar a própria vida para exercer uma necessidade básica. Quando o urbano ignora o corpo feminino, ele perpetua desigualdades.
Quando o urbanismo é pensado a partir da experiência das mulheres, ele se torna, de fato, humano.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.
 
             
                