Casas e carros arrastados pela correnteza, como peixes mortos, sob um céu que só desabava. Abrigos repletos, como se fossem campos de refugiados (na verdade, há agora um novo tipo de refugiados, os do clima). Diques rompidos, frestas nos muros contra enchentes, bombas de drenagem desligadas e água, muita água – nos rios, nas ruas, nos olhos. Parece certo que essas imagens, as quais, literalmente, inundaram o Rio Grande do Sul, continuarão a assombrar o país ao menor sinal de chuvas fortes. A tragédia gaúcha sublinhou de maneira cruel a urgência de estratégias eficazes para gestão de risco em um mundo cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas que decorrem, sobretudo, da ação humana.
Cidades e países vulneráveis a desastres naturais e antrópicos costumam desenvolver “Planos de Redução de Risco”. É fundamental aprender com eles. Suas lições envolvem identificação e mapeamento de áreas ameaçadas, análise dos tipos de ocorrência que levam perigo, implementação de ações de mitigação, de preparação e de respostas para as catástrofes, além, é claro, de medidas para recuperação depois delas.
As Tecnologias da Informação e Comunicação desempenham um papel vital em todas essas fases. Ao lado de pessoas e processos, as ferramentas tecnológicas contribuem decisivamente para a gestão de riscos. As pessoas são protagonistas, participando ativamente e influenciando as decisões. Os processos incluem um planejamento preventivo com ações concretas, enquanto tecnologias e dados fornecem insights cruciais para decisões informadas.
Um exemplo disso é o uso de imagens de satélite e drones para mapear e identificar áreas perigosas. Sensores climáticos, radares meteorológicos, pluviômetros digitais e câmeras de monitoramento de níveis de rios fornecem dados em tempo real para análise e ações coordenadas em centros de emergências. Treinamentos, simulações e utilização de sistemas de alerta em áreas de risco orientam a população sobre ações necessárias, como a evacuação para abrigos seguros.
Modelos 3D de gêmeos digitais permitem simular cenários de inundações e auxiliam no desenvolvimento de estratégias de mitigação e resiliência. Dados históricos são essenciais para desenhos de modelos preditivos com utilização de inteligência artificial. Durante emergências, coordenação e comunicação eficazes das equipes locais e remotas são importantíssimas para viabilizar respostas rápidas e salvamento de vidas.
O planejamento urbano colaborativo, com envolvimento cidadão, é incontornável em todas as etapas da gestão de risco, em especial na recuperação pós-desastre, quando as necessidades da população devem ser bem compreendidas pelos gestores. A construção colaborativa (crowdsourcing) de mapas digitais ajuda a atualizar e a entender a situação do território, identificando áreas críticas e o estado, por exemplo, de postos de saúde.
A fase de recuperação pós-desastres é a mais complexa, exigindo planejamento, colaboração multidisciplinar e recursos financeiros significativos. Trata-se de restaurar infraestruturas críticas, equipamentos públicos e ainda oferecer apoio psicológico e acolhimento às pessoas severamente afetadas. Nesse contexto, a criação de uma sala de situação é imprescindível. Nela, uma equipe multidisciplinar, composta por membros do setor público e da sociedade civil trabalha em conjunto para resolver problemas de forma eficaz. O envolvimento contínuo da comunidade e o uso estratégico de TICs são determinantes para superar os enormes desafios aqui mencionados – e construir um futuro mais resiliente.
Mauricio Bouskela
Coordenador do Núcleo Economia Urbana, Cidades Inteligentes e Big Data do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.
Donizete Beck
Pesquisador de pós-doutorado no Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.