Retrofit e Segurança Contra Incêndio: a Prática em São Paulo

4 de julho de 2023

O retrofit, método de atualização de edificações para necessidades contemporâneas, tem crescido anualmente, especialmente em grandes centros urbanos. A prevenção de incêndios é uma das dimensões mais desafiadoras do retrofit, pois as normas se tornaram mais rigorosas ao longo do tempo e passam a ser exigidas a partir do momento em que se pretende reformar, reconstruir ou requalificar uma edificação. 

O rigor da legislação se justifica na medida em que a concentração de pessoas e atividades urbanas intensifica o risco de incêndios. Em São Paulo, ocorreram 2319 incêndios em edificações de janeiro a maio de 2023, resultando em uma média de 15 incêndios diários. 

A cidade de São Paulo foi marcada por três incêndios que levaram à adoção de normas mais rigorosas: o Edifício Andraus, em 1972, com 16 vítimas fatais e 320 feridos; o Edifício Joelma, em 1974, com 187 mortes; e o Edifício Grande Avenida, em 1981, com 17 mortos. 

Essas tragédias levaram a uma resposta legislativa e organizacional intensa, resultando em mudanças no Código de Obras municipal e da edição do Decreto Estadual 20.811 de 1983, que visava principalmente fornecer segurança aos ocupantes, mitigar a propagação do fogo para edifícios vizinhos e minimizar danos. Apesar de excluir tacitamente as edificações existentes, salientava que, em casos de reforma, ampliação ou mudança de ocupação, as novas regras deveriam ser aplicadas. A gestão do sistema de segurança contra incêndios foi confiada ao Corpo de Bombeiros, prática que se tornou comum em todo o Brasil.

A legislação paulista passou por alterações expressivas a cada dez anos. Em 2015, foi editado o Código Estadual de Proteção contra Incêndios e Emergências, que já estava previsto na Constituição Estadual, de 1989. O Código estabelece regras gerais e é regulamentado pelo Decreto Estadual N.º 63.911 de 2018, que veicula normas técnicas detalhadas.

O decreto expandiu o escopo da segurança contra incêndios, priorizando a proteção da vida dos ocupantes das edificações não apenas em caso de incêndio, mas também de outras emergências. Suas disposições se aplicam a operações de construção, mudança de ocupação ou uso, ampliação de área construída, aumento de altura e regularização de edificações, exceto as de uso residencial unifamiliar.

O decreto é complementado, ainda, por instruções técnicas editadas por portaria do Corpo de Bombeiros. No caso das edificações existentes, aplica-se a Instrução Técnica de Adaptação às Normas de Segurança contra Incêndios (IT-43). A Instrução estabelece exigências básicas, que se aplicam a todas as edificações, e adaptações, que se aplicam em caso de ampliação de área construída ou mudança de ocupação ou uso.

As exigências básicas englobam sistemas de extinção de incêndio (extintores e hidrantes), sinalização e iluminação de emergência, alarme de incêndio, saídas de emergência, selagem de dutos e shafts, instalações elétricas e um rigoroso controle de material de acabamento e revestimentos.

As adaptações dizem respeito a escadas de segurança; rotas de fuga; dimensionamento de lotação e saídas de emergência; compartimentação horizontal e vertical; segurança estrutural; e sistemas de hidrantes, chuveiros automáticos, detecção de incêndio e alarme, e controle de fumaça. 

Via de regra, aplicam-se ao retrofit tanto as exigências básicas quanto as adaptações. Em muitos casos, no entanto, é impossível cumprir algumas dessas normas, devido às características específicas da edificação, que foram construídas segundo a legislação vigente à época. Nesses casos, a IT-43 prevê regras menos rigorosas para algumas adaptações e o Decreto admite soluções técnicas diversas, que deverão ser analisadas por uma comissão técnica do Corpo de Bombeiros.

Isso permite que o retrofit tenha respaldo técnico na atualização dos sistemas de segurança contra incêndio e pânico, uma vez que são consideradas tanto as limitações estruturais das construções mais antigas, quanto as exigências das normas atuais de segurança. Como o tema é complexo, a IT-43 contém um fluxograma do processo, permitindo que os projetistas entendam as necessidades das edificações objeto de retrofit.

Nesse cenário, o retrofit emerge não apenas como uma estratégia para garantir a conformidade das edificações existentes com as normas de segurança contra incêndios, mas também como uma prática de responsabilidade social e urbana, promovendo cidades mais seguras e resilientes.

Texto de autoria de Herbert Meyerhof, coronel da reserva do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo e especialista em segurança. Consultor na área de segurança contra incêndios e gestão de emergências.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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