Retrofit e acessibilidade: diretrizes para o urbanismo sustentável do futuro

29 de agosto de 2023

O conceito de “retrofit” vem ganhando espaço na arquitetura contemporânea como uma estratégia para revitalizar edifícios já existentes, enquanto mantém suas características fundamentais. Esse método tem sido adotado como pilar de um urbanismo mais sustentável, realçando as virtudes essenciais de centros urbanos.

O retrofit busca modernizar edifícios que já sofreram envelhecimento, perderam sua função original ou têm infraestrutura deficiente. Ao incorporar tecnologias atualizadas e um design sustentável, essa prática tem sido especialmente prevalente na Europa, onde representa cerca de 50% dos projetos arquitetônicos. Tal abordagem não apenas preserva o patrimônio histórico, mas também melhora a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida e deficiências.

No Brasil, a implementação de retrofit deve seguir diversas normas da ABNT, como a NBR 16.280, a NBR 15.575 e a NBR 9050, sempre em suas versões mais atualizadas. No entanto, integrar plenamente a acessibilidade nesses projetos ainda representa um desafio significativo, que requer conhecimento técnico, normativo e legislativo.

Com a edição da Lei da Acessibilidade, de 2000, de seu regulamento, de 2004, e da Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, tornou-se mandatório adotar o “Desenho Universal” em espaços urbanos e edifícios de uso público ou coletivo, seguindo as normas de acessibilidade vigentes. O desenho universal é uma exigência da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada no Brasil em 2009. Trata-se, portanto, de um direito humano fundamental, cujo atendimento é um compromisso internacional assumido pelo Estado Brasileiro.

Muitas cidades, como no caso de São Paulo, adequaram suas legislações para incentivar e possibilitar a implantação de acessibilidade em edifícios, onde ela não estava presente, pois quando de sua construção, esta exigência não era obrigatória.

O programa vigente na Cidade de São Paulo “Requalifica Centro” tem como alvo as edificações construídas anteriormente a 23 de setembro de 1992 ou licenciadas com base na legislação edilícia vigente até esta data, no caso, o antigo Código de Obras e Edificações revogado, com enfoque na questão habitacional e incentivo de uso misto desses imóveis.

O atual Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo — COE e seu Decreto Regulamentador, tratam o tema do retrofit como sendo “requalificação”, definida como “intervenção em edificação existente, visando à adequação e modernização das instalações, com ou sem mudança de uso”. 

Quanto à “ACESSIBILIDADE”, o COE, em seu art. 78, determina que poderão ser aceitas soluções que não atendam todas as disposições previstas nas Leis de Uso e Ocupação do Solo, bem como no próprio COE, desde que não acarretem prejuízos na acessibilidade, e ainda incentiva sua aplicação, permitindo o uso de todos os recuos do lote, considerando como não computável a área acrescida para promoção da acessibilidade. 

Há casos específicos em que se permite avançar sobre a calçada, quando for impraticável outra forma de implementação de acessibilidade, conforme determina o art. 75 do Decreto Regulamentador, a saber:

Art. 75. Na requalificação de edificação existente, é admitida a ampliação da área construída para suprir as necessidades de adequação e modernização das instalações da edificação. 

§ 1.º É considerado não computável o aumento de área destinado à adaptação razoável à acessibilidade e à melhoria das condições de segurança de uso, higiene e salubridade da edificação existente, não sendo considerado para efeito de cálculo do coeficiente de aproveitamento e da taxa de ocupação previstos na LPUOS. 

§ 2.º As intervenções poderão ocupar as faixas de recuo quando não for possível atendê-las nas próprias edificações. 

§ 3.º Excepcionalmente, poderão ser aceitas rampas de acesso ao imóvel que avancem sobre o logradouro público para atendimento das condições de acessibilidade, mediante análise dos órgãos municipais competentes. 

§ 4.º As intervenções na edificação não poderão agravar os itens relativos à segurança, salubridade, higiene e acessibilidade até então existentes.

O COE também determina, nos itens 4.1. e 4.1.2. de seu Anexo I, que devem atender às condições de acessibilidade a edificação nova e a existente, em caso de reforma, requalificação ou regularização, para qualquer tipo de uso que não seja “unifamiliar”.

Outras cidades brasileiras, como Recife, Rio de Janeiro e Porto Alegre, também estão incentivando práticas de retrofit em áreas urbanas degradadas. O objetivo é melhorar o conforto e a funcionalidade dessas áreas, proporcionando maior bem-estar aos habitantes.

Portanto, cabe aos proprietários, profissionais da construção civil, responsáveis técnicos e gestores públicos adotar abordagens inovadoras que incluam todos os cidadãos, independente de idade ou capacidade física. Assim, é possível construir cidades mais inclusivas e sustentáveis, honrando tanto nosso passado quanto nosso futuro.

Artigo de autoria de Silvana Cambiaghi, Arquiteta e Mestre em Desenho Universal pela FAU/USP; fundadora e atual presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPA); docente em cursos de Mestrado em Design e consultora em normas técnicas pela ABNT; autora premiada e palestrante em eventos nacionais e internacionais; Diretora da “Design Universal Consultoria”.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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