Conversava um dia desses com uma amiga arquiteta sobre a qualidade da produção imobiliária de São Paulo. Ela condenava a multiplicação de prédios genéricos sem graça pela cidade, quando falei, então, da famosa incorporadora que costuma investir em arquitetura e é responsável por alguns dos edifícios (construídos recentemente) mais marcantes na paisagem paulistana.
“Uma amiga minha queria morar em um desses, mas quando viu que não dava para instalar redes de proteção nas janelas e sacadas, ela, que tem um filho pequeno, desistiu”.
Tenho dois filhos pequenos e em casa também há redes na sacada e em uma das janelas (as quais já estavam instaladas quando nos mudamos para lá). Na escada que leva do primeiro para o segundo andar, porém, não há guarda-corpo, e sempre que meus pais nos visitam, quase clamam pela instalação de uma rede de proteção ali.
Por sinal, assim que meu primeiro filho nasceu, eles não perderam tempo e instalaram redes de proteção em absolutamente todas as janelas e sacadas da casa deles – a mesma casa em que vivi dos meus primeiros dias até me tornar adulto e que, vejam só, não tinha redes de proteção.
Desde que meus filhos nasceram, não tive a oportunidade de visitar muitos outros países – e há detalhes das cidades, como a qualidade dos parquinhos, por exemplo, que só reparamos mesmo quando temos filhos.
De qualquer forma, buscando aqui na memória, não lembro de ter visto redes de proteção nas janelas dos prédios em Paris, Roma ou Nova York. Talvez em Buenos Aires, mas com certeza em quantidade muito menor do que aqui, onde elas se tornaram praticamente um item obrigatório para quem tem crianças pequenas em casa.
Pesquisando sobre essa aparente peculiaridade do Brasil em relação a outros países, encontrei em um blog de viagens uma comparação interessante do país com Barcelona.
“O que no Brasil é quase uma obrigação, aqui em Barcelona eles nem sabem que existe. São as telas de proteção para crianças em sacadas e janelas de apartamentos. Das duas, uma. Ou as crianças brasileiras são todas suicidas, ou as crianças espanholas são muito comportadas”, escreve o autor.
Não acho que as crianças brasileiras sejam mais espevitadas, nem que as espanholas sejam mais cautelosas. Nem que as crianças de hoje sejam essencialmente diferentes das de antigamente. Também não acho que as redes de proteção nas janelas e sacadas representem um impacto negativo muito significativo na paisagem urbana.
Contudo, elas me parecem sintoma de um mal maior: nossa às vezes exagerada preocupação com a segurança, a qual também pode estar por trás de outros problemas urbanos. Esses sim são mais graves, como: o excesso de grades e muros, a preferência pelas áreas comuns dos condomínios em detrimento dos espaços públicos, do automóvel em relação ao transporte público ou mesmo dos shoppings ao comércio de rua.
Em pesquisas com diversos países, o Brasil costuma apresentar a população mais ansiosa e com maior medo da violência do mundo, além de ser a mais depressiva da América Latina. Sem querer minimizar o problema da violência no país, que é grave, a fragilidade da saúde mental da população brasileira pode estar por trás dessa preocupação às vezes excessiva com a segurança, que tem consequências danosas para a vida urbana.
Muros altos, por exemplo, acabam com a vitalidade das calçadas, aumentam a sensação de insegurança no entorno e podem ser prejudicais ao próprio condomínio, já que impedem quem está na rua de enxergar o que se passa lá dentro.
Os automóveis, como se sabe, são os principais responsáveis pela emissão de poluentes e pelos sinistros de trânsito, enquanto muita gente enclausurada em shoppings é um dos fatores por trás do declínio do comércio de rua.
Sem dúvida temos muitos problemas urbanos, entre os quais a violência, mas, pensando aqui na questão das redes de proteção, fico me perguntando se muitos desses problemas não são reflexo de um mal maior, de cunho psicológico, que tem dificultado uma análise racional das diferentes situações. (Sempre cito o exemplo de uma conhecida que vive em um condomínio fechado no Alphaville e se recusou, por insegurança, a sentar em uma mesa na calçada num bar perto de casa, apesar de o entorno estar cheio de gente passeando, inclusive com carrinhos de bebê.)
O Brasil, é claro, precisa aprimorar suas políticas urbanas, particularmente no que diz respeito à segurança. Mas talvez precise também de um tanto de terapia coletiva…
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.