Reabilitação urbana: uma imposição contemporânea

28 de fevereiro de 2023

Já no século XV a questão estava posta e Alberti a chamou de restauro (Da re aedificatoria). Implicava redesenhar a relação cidade-território, onde não apresentasse a eficiência desejada.

Intervenções radicais marcaram os séculos subsequentes, da Roma papal à imaginada Paris Corbuseana, onde os tecidos preexistentes, sempre ignorados, dariam lugar a um outro desenho.

O século XX, no caminho oitocentista da industrialização e expansão urbana fez, do que eram as cidades, centros históricos de novas estruturas metropolizadas que, aliadas à implementação de uma nova base tecnológica — veículos motorizados, centros de produção em escalas insuspeitadas — rapidamente produziram sua obsolescência. Já não atraiam setores dinâmicos da economia ou ofereciam condições de habitabilidade desejáveis.

Restava o abandono do que, historicamente, foram espaços nucleares de produção e identidade cultural. É a marca das cidades brasileiras.

Tal cenário ganha outro olhar com Gustavo Giovannoni (Vecchie Città ed Edilizia Nuova,1931), que estende os conceitos de preservação/renovação, voltados à obra arquitetônica, para o planejamento urbano e o desenho das cidades, de modo a revascularizar os tecidos estagnados, protegendo suas qualidades e significados históricos e integrando-os, também, ao planejamento do território e da paisagem.

Ali, planos diretores regulam a legislação e o desenho da expansão urbana associados ao controle de ações coordenadas e pontuais de projetos para as áreas onde a reabilitação urbana colocava-se como nuclear. 

Tal concepção teria seus reflexos consolidados algumas décadas depois sendo, a partir daí, que a ideia de Reabilitação Urbana ganharia substância teórica e lógica projetual como ação necessariamente integrada ao todo, público e privado, incluindo demandas sociais, econômicas e técnicas associadas à recriação de uma dinâmica produtiva a partir das estruturas preexistentes e de novos empreendimentos a ela associados, mas afastando dessa concepção a tábula rasa, o zero edificado como premissa.

Com as transformações intrínsecas à metrópole, como o deslocamento de áreas industriais e portuárias, a reabilitação urbana, antes restrita às áreas centrais, coloca-se também para tais setores, ou seja, a transformação da economia urbana põe na encruzilhada do planejamento a demanda pela reabilitação de todos os seus ativos físicos. Londres, Hamburgo, Buenos Aires e Rio de Janeiro, têm apresentado importantes projetos e investimentos buscando, sempre, a reverberação para todo o conjunto metropolitano.

Sempre multipolar, a reabilitação pressupõe ações integradas em múltiplas escalas: superação de marcos legais dissonantes operando sobre o mesmo setor e obstaculizando a eficiência das ações renovadoras; investimento público como estímulo ao privado, de modo a trazê-lo para as áreas críticas; aplicação de sistemas de simulação tridimensional, de modo a qualificar as inserções físicas sem prejuízo das preexistências e, no caso das cidades brasileiras; a equação social, que envolve o destino das populações de tais áreas. Estes são os pressupostos para o sucesso de qualquer processo de reabilitação urbana.

Ante a degradação de extensas áreas em nossas cidades, mais que demanda, a reabilitação é uma imposição da própria contemporaneidade.

Texto de autoria de Samuel Kruchin, titular da Kruchin Arquitetura — um dos primeiros escritórios a trabalhar, no âmbito privado, com a área de preservação e restauro. Samuel também é Docente Líder do curso Reabilitação Urbana: Investimentos e Oportunidades. 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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