H. L. Mencken foi o escritor norte-americano que, mesmo tendo falecido há quase 70 anos, traduziu, numa frase, os governos brasileiros do último quarto de século: “todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”.
Essa pode ter sido a sua frase mais lúcida e profética, mas a mais famosa foi aquela que explica a mania do ser humano de endereçar mal – e de forma apressada – questões realmente importantes: “para cada problema complexo existe uma solução simples, elegante e completamente errada“.
Mais do que uma forma de tratamento dos problemas, esse “atalho cognitivo” traz consigo a dificuldade de compreensão para um diagnóstico preciso e seu corolário, a falta de conhecimento e a insegurança de abraçar um diagnóstico que pese menos de 15 kg e não seja escrito numa linguagem rebuscada e pomposa.
Ao invés de uma abordagem inteligente, clara e bem embasada, estamos – no Brasil – viciados em soluções superficiais e simplórias por um lado, e por outro lado em diagnósticos pouco claros, nada práticos, um verdadeiro fim em si mesmos. O “produto” mais licitado e consumido pelo poder público, no país, é o diagnóstico. O segundo, o projeto, elaborado a partir do diagnóstico desenvolvido. E o terceiro, as obras derivadas dos projetos.
Pensemos juntos: diagnósticos pouco claros, pouco objetivos e nem sempre precisos geram projetos… inapropriados, descontextualizados, exagerados ou omissos, que por sua vez geram obras… sim, você já entendeu porque tudo aqui custa o dobro, o triplo ou 10 vezes mais do que em qualquer outro país. (Ou porque a maior parte das obras públicas, quando sai do papel, parece errada. Isso quando é concluída).
E o que essa máxima de H. L. Mencken tem a ver com as nossas cidades? Bem, tudo a ver. Quando nos damos conta que os nossos Planos Diretores são vítimas dessa talha mental, desse jeito superficial e desconexo de pensar, mesclado com obras viárias concebidas a partir de diagnósticos, como dizemos em Minas, sem-pé-nem-cabeça.
Em “espírito”, os nossos Planos Diretores vêm lá do início do século 20, do delírio das cidades-jardim concebidas como cidades ideais, utópicas, nas quais cada atividade da vida – trabalho, moradia, lazer, estudo – acontece de forma segregada num setor diferente dos demais. Para os Jetsons, eram naves espaciais, mas para Le Corbusier e Edsel Ford seriam os carros e suas autoestradas a conectar os setores de uma cidade.
Como explicar que, ainda hoje, após tanto conhecimento acumulado e tantas experiências mal sucedidas, as nossas cidades sigam reproduzindo esse mesmo espírito, senão por um excesso de diagnósticos ruins, e soluções superficiais?
Talvez (apenas talvez) seja momento das nossas cidades se renderem ao que sempre deu certo e abandonarem o que sempre deu errado, mas reciclando as cabeças para pensar as soluções com a profundidade necessária, a partir de diagnósticos claros, precisos e objetivos. Porque apenas as cabeças que não estejam capturadas por essa talha mental são capazes de produzir um resultado diferente.
Afinal, como nos ensinou Einstein, “insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes“.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.