Quem não resolve o lixo, não resolve mais nada

23 de novembro de 2023

Singapura é considerada a cidade mais limpa do planeta.

Isso não vem de hoje: é um programa que já tem mais de 50 anos (55 anos), unindo conscientização a multas pesadas e, ainda hoje, exige fiscalização e ações públicas. O fato é que funcionou e já faz parte da cultura local.

Mais do que isso, o programa é razão de orgulho e auto-estima.

Tóquio também é um exemplo talvez ainda mais bem acabado, já que não depende de programas e multas para funcionar. O asseio é um aspecto fundamental da cultura japonesa, se espraiando por todos os aspectos da vida familiar e da postura individual.

Para não ficar apenas na Ásia, quem já visitou Dubai sabe do que estou falando (embora eu não recomende perder tempo com Dubai, nem para verificar a limpeza, nem para qualquer outro objetivo, exceto se por alguma fixação em areia e prédios muito feios).

Qualquer um de nós poderia produzir um ranking usando alguma metodologia científica consagrada, mas a verdade é que já sabemos, intuitivamente, onde as cidades brasileiras estarão: sempre nas últimas posições.

Não, não resolvi fazer mais um texto para falar mal das cidades brasileiras, mas precisamos constatar o óbvio: cidades limpas não são o foco, nem uma prioridade para o poder público. E nem para nós, os cidadãos.

Não é que o poder público e nós gostemos de sujeira, mas as concessões para recolhimento de lixo são, como as de transporte público, feitas para nunca funcionar. E não é só pelo equipamento defasado e pela forma de trabalho, mas – sobretudo – pelo hábito de empilhar o lixo nas calçadas ou em suportes nos passeios.

A cidade é um permanente depósito de lixo em decomposição, vazando e sendo mexido antes de uma coleta porcalhona, sem a separação mais básica na maior parte dos municípios, até terminar num modelo de depósito que as cidades modernas deixaram de utilizar há muitas, muitas décadas.

Nas cidades onde predominam a lógica e o bom senso, lixo orgânico é recolhido num dia, e o lixo reciclável em outro. E ninguém deixa o lixo empilhado nos passeios, ou expostos em suportes metálicos.

Se o lixo é seu, guarde você – dentro de sua casa ou prédio – até o momento da coleta. É isso, ou multa. 

Simples e eficiente.

Aqui é sempre aquele festival de espinhas de peixe pingando o molho da moqueca no passeio durante todo o dia (até a noite ou o dia seguinte), misturado com garrafas quebradas, material que poderia ser reciclado, fraldas sujas e todo o tipo de sujeira.

Zero critério, zero cuidado, zero asseio.

Ir para Copenhague ou a Seul e achar uma cidade limpa não surpreende, mas ir para Jacarta e ver a capital da Indonésia muito mais limpa do que qualquer cidade brasileira, assusta.

Quem esteve nos últimos 5 anos em Buenos Aires, Santiago, Montevidéu, Lisboa, Madrid, Tel Aviv, Istambul ou na Cidade do México, traz consigo uma pergunta: como essas cidades podem ser mais limpas do que as nossas?

Digo “as nossas” como se fossem todas iguais. Não são.

Embora a maior parte das metrópoles brasileiras possa figurar sempre nas últimas posições no nosso ranking fictício de limpeza urbana, há diferenças entre elas, muitas vezes brutais.

O Rio e Belo Horizonte estariam, seguramente, atrás de São Paulo, mas muito atrás de Curitiba e Brasília. Salvador, Recife e Maceió precisariam de um ranking à parte, com uma escala de falta de limpeza sem precedentes, assim como Manaus, por exemplo.

As perguntas mais importantes, para mim, são: a presença constante de uma sujeira generalizada “normaliza” a convivência com o lixo? 

A presença constante de uma sujeira generalizada desidrata a cultura do asseio? Afeta o indivíduo a ponto dele se sentir não responsável pela limpeza?

Outra, enquanto arquiteto, urbanista e incorporador: o lixo não deveria ficar guardado dentro das casas e dos prédios até a hora da coleta? 

Não deveria ser obrigatório o uso de latas de lixo padronizadas e tampadas? 

Não deveria haver multas e sanções para quem deposita lixo nas calçadas?

Uma sociedade que não consegue lidar – e impor regras – para o lixo, consegue fazer o quê?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
VER MAIS COLUNAS