A possibilidade de anulação da Lei nº 7.801/2024, que regula as Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITPs) de Natal, acende um alerta sobre um mal silencioso no urbanismo brasileiro: a insegurança jurídica. O Ministério Público do Rio Grande do Norte ingressou com uma ação civil pública questionando a validade da lei, alegando falta de participação popular e vícios de procedimento. Mas o que parece zelo institucional esconde um efeito paralisante — e perigoso — sobre o desenvolvimento urbano.
A Lei das AEITPs não surgiu de improviso. Ela foi amplamente debatida na Câmara Municipal, com audiências públicas, consultas técnicas e discussões com universidades, entidades de classe e o setor produtivo. A ideia de que toda regulação urbana precise nascer dentro do Plano Diretor é um equívoco técnico. Cidades complexas dependem de leis complementares que atualizem e detalhem parâmetros urbanísticos à medida que novos contextos surgem. É assim que se faz em São Paulo, onde Operações Urbanas, Eixos de Estruturação e Zonas Especiais são tratadas em legislações próprias, fora do Plano Diretor, justamente para garantir agilidade e coerência.
O Ministério Público, ao confundir regulação técnica com revisão de diretrizes, desconsidera a prática consolidada do planejamento urbano moderno. E pior, introduz uma variável devastadora: o medo. Com a simples possibilidade de suspensão da lei, empreendimentos que vinham sendo negociados para áreas estratégicas — como a Via Costeira e a Redinha — estão sendo congelados. Hotéis, condomínios e empreendimentos mistos que poderiam gerar emprego, renda e desenvolvimento urbano voltam à prancheta da incerteza.
A insegurança jurídica é o maior desincentivo ao investimento produtivo. Nenhum empresário aloca capital em um ambiente onde o parâmetro urbanístico pode ser revertido por decisão judicial. Cada ação suspensa representa empregos não criados, impostos não arrecadados e uma cidade que deixa de evoluir. Natal responde por mais de 58% da receita turística do Rio Grande do Norte, seu desenvolvimento não pode ser refém de uma disputa de interpretação.
Fiscalizar é função legítima do Ministério Público. Mas quando o zelo se transforma em paralisia, a cidade inteira paga a conta. O urbanismo precisa de estabilidade, não de sobressaltos. É possível — e desejável — conciliar preservação ambiental, paisagem e desenvolvimento econômico. O que destrói essa equação não é o debate técnico, mas a substituição da técnica pela desconfiança.
A gestão democrática da cidade se faz com diálogo, não com veto. E a cidade que não confia em seus próprios instrumentos de planejamento está condenada a viver de planos que nunca se concretizam. Em vez de anular a lei, o desafio deveria ser garantir que ela seja aplicada com transparência e responsabilidade. O verdadeiro risco para Natal não é o crescimento desordenado — é o medo de crescer.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.