Quando a cidade adoece: a forma urbana como parte da cura

31 de outubro de 2025

A relação entre ambiente natural e construído ganhou especial importância nesta década, impulsionada pelo avanço das mudanças climáticas e seus efeitos sobre os modos de vida. Em 2019, mais de 11 mil cientistas declararam que o planeta enfrenta uma emergência climática. De lá para cá, o termo “emergência” evoluiu para “colapso”.

Mas seus efeitos vão além das pesquisas e noticiários: as mudanças climáticas custam caro à saúde, sobretudo das populações mais vulneráveis, expostas ao calor extremo, às enchentes e à poluição. A crise climática é também uma crise de saúde pública. As cidades são determinantes de saúde tanto quanto hospitais: nelas se decide quem tem acesso ao ar puro, ao verde e ao sol.

Neste ano, no Brasil, A COP 30 traz o desafio de transformar discurso em ação, reposicionando o espaço urbano como protagonista da transição climática e sanitária. Urbanizações predatórias reduzem áreas verdes e desmantelam corredores ecológicos; planos diretores seguem expandindo perímetros urbanos; a fragmentação limita o acesso à saúde e à convivência; a mobilidade motorizada aumenta emissões e sedentarismo. A construção civil ainda ignora o clima tropical: fachadas de vidro, varandas suprimidas, cômodos enclausurados.

Neste contexto é fundamental reconhecer que a forma urbana é uma variável ativa — capaz de gerar vitalidade, coesão e saúde, ou reforçar desigualdades. Quanto é preciso caminhar para alcançar os serviços básicos? Quão longe estão os espaços verdes? Quão respirável e caminhável é a cidade?

O clima não escolhe escalas. Planejar cidades saudáveis exige abandonar o zoneamento rígido e compreender que as interações entre saúde, clima e morfologia urbana se dão em múltiplas dimensões — do edifício e da rua ao bairro, da cidade à região.

Precisamos de uma abordagem baseada em evidências e indicadores, capazes de medir avanços, orientar políticas e fortalecer gestões locais com poucos recursos. Se o urbanismo modernista ditou como deveríamos usar as cidades, o desafio agora é compreender como a forma urbana influencia a saúde e o clima — e reconstruir, a partir disso, um futuro possível.

Planejar cidades saudáveis e climaticamente responsáveis é uma escolha de prioridades: devemos começar pela escala humana — pelas ruas que acolhem, pelas sombras que refrescam, pelos trajetos seguros e caminháveis. É desse cotidiano que nasce a cidade saudável. Reconhecer que a infraestrutura verde é também infraestrutura de saúde, que parques e rios despoluídos valem tanto quanto hospitais equipados e que o adensamento pode gerar qualidade de vida quando vem acompanhado de diversidade, transporte e espaço público.

Mas cuidar da forma da cidade exige também cuidado de quem a desenha e de quem a governa. É preciso repensar o ensino da arquitetura e do urbanismo, atribuindo responsabilidade social a quem projeta os espaços que moldam o cotidiano. É preciso fortalecer a gestão pública local, dotando-a de instrumentos simples, transparentes e mensuráveis. Indicadores de habitabilidade, mobilidade, conforto climático e acesso a áreas verdes não são apenas números, são formas de devolver às cidades sua capacidade de cuidar de quem nelas habita.

A COP 30 pode ser um marco político, mas a verdadeira transição começa quando reconhecemos que cada rua, bairro e cidade têm poder de transformar o colapso anunciado — basta que aprendamos, enfim, a desenhá-los com esse propósito.

Karol Carminatti Baumgärtner
Doutora em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora do Centro Global de Saúde e Urbanização da Universidade de Oxford.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Com base na experiência de Jaime Lerner e das equipes que com ele trabalharam, o Instituto Jaime Lerner almeja despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador das cidades e seu desenvolvimento sustentável, inclusivo e criativo. ([email protected])
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