Qual o nome da sua rua?

10 de novembro de 2023

Dar nome é dar importância.

A gente personaliza tudo. Dá nome pra brinquedo, pra celular, pra planta, pra bicicleta. Pense agora no nome que você deu a alguma coisa que lhe acompanha na vida. Por que você deu um nome pra ela? Provavelmente porque ela tem alguma importância para você, e provavelmente esse nome faz referência a alguma outra coisa, pessoa, lugar ou piada interna.

Se você for visitar o campus da Asa Norte da minha universidade pelo Google Maps, verá que nenhuma rua tem nome. Todas se chamam UnB Área 1. O endereço de todos os prédios é: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba tal (às vezes). É tudo.

A maioria das ruas de quase todos os bairros de Brasília têm só letras e números, e muitas são rotuladas a partir das quadras. Peguemos um exemplo de Taguatinga. Há a rua QNC 9 do Setor C Norte. No entanto, indo na direção leste, depois da Av. Samdu (opa, uma rua com nome!), ela – a mesma rua, com as mesmíssimas características espaciais – vira a QNB 10 do Setor B Norte. Que tal?

As ruas comerciais locais do Plano Piloto não têm nome, nem letras ou números. São vias que dividem as quadras comerciais locais Sul ou Norte: CLS 107/108, CLN 205/206. Ainda bem que elas têm outras denominações, já há algum tempo: rua da Igrejinha e Babilônia Norte, respectivamente. A Rua da Igrejinha ganhou este nome porque na ponta tem aquela joia do Niemeyer, a Igreja Nossa Senhora de Fátima. A Babilônia Norte é a única rua comercial projetada como uma unidade, com dois prédios brancos idênticos de 130 m de comprimento, frente a frente, com janelas em arco. Se eu digo que tem um restaurante na rua da Igrejinha, ou um bar na Babilônia Norte, isso é suficiente. Eu chego lá, olho pros dois lados da rua, procurando o restaurante ou o bar. Eles vão estar na rua.

Essa é uma herança bem negativa do urbanismo modernista: a gente deixou de projetar ruas para projetar quadras. Cada quadra tem uma característica e um uso permitido, e elas não raro estão ao lado de outras quadras com outras características e outros usos permitidos (outro problema modernista, mas vamos deixar isso para outro texto).

Muitas cidades do mundo têm letras e números como nome de ruas e avenidas, e fazem isso de forma consistente. São marcantes, no Plano Piloto, a via W3 e a via L2. Elas foram criadas com essa denominação, e não têm seu nome derivado das quadras que se voltam para ela. Não são as vias 500/700 ou 400/600, por exemplo. Ainda bem!

Muitas ruas nas cidades do mundo têm nomes – de pessoas, de animais, de lugares, de coisas, de sentimentos, de um tudo – e isso é fator de identidade para elas. Avenida Atlântica, Rio de Janeiro; Rua da Graça, Salvador; Rua do Samba, Uberlândia; Rua Tucunaré, Porto Velho; Avenida Seridó, Caicó; Eixo Monumental, Brasília; Rua Conceição, São Leopoldo; Rua da Granja, Altamira; Rua Purpurina, São Paulo. (Gente… Rua Purpurina! Eu adoraria conhecer a pessoa que pensou nesse nome!). A lista segue.

Cada nome desses traz uma imagem, uma associação, uma referência. Nomes são poderosos. Nomes dignificam, mostram relevância, trazem identidade.

Ruas são a maioria inconteste dos espaços públicos nas cidades, são nossos locais de circulação, encontro, atividades. Não deveriam ser tratadas apenas como aquilo que liga esta quadra àquela, um canal de separação, várias vezes anônimo, um sintoma claro de que estamos deixando de projetar ruas para projetar quadras.

As ruas deveriam vir em primeiro lugar, as quadras vindo depois, para configurá-las. A gente deveria criar ruas e dar logo um nome legal para elas, como para uma criança que acabou de nascer. Uma criança que terá uma vida pela frente, que conhecerá e acolherá pessoas, que mostrará seu caráter, que marcará a vida de quem cruzar seu caminho.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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