Puro ou com gelo? Reforma ou obra nova?

26 de julho de 2024

É recorrente em nossa cultura escutarmos ou nos manifestarmos com frases como: “Faltam políticas públicas adequadas!”. Ou ainda “a culpa é do mercado… pura especulação imobiliária”, ou então “as cidades não aguentam mais a verticalização!”. Frases de efeito são também muito adoradas pela mídia e por grupos representativos de segmentos da sociedade que, mobilizados por benefícios em interesse próprio, gostam de adotá-las estrategicamente.

Esse mecanismo de comunicação, onde as verdades absolutas e generalistas destroem a boa técnica, tem sido recorrentemente adotado em nosso mundo contemporâneo, aplicado às mais diversas áreas do conhecimento em prol de interesses míopes. Evidentemente, sempre sob a lente política! Mas se a boa política depende do exercício de mediação entre interesses diversos e as cidades são os espaços genuínos da convivência entre as diversidades, onde estaria a aplicação desse exercício de alinhamento entre os vários grupos de interesse que compõem a sociedade?

Para enveredar por tal questionamento, consideremos o grupo ao qual pertenço, o da construção civil, no qual uma série de categorias dependem umas das outras: arquitetos, urbanistas, investidores, incorporadores, indústria, advogados do direito imobiliário e urbanístico, ensino, e também compradores e locatários, cidadãos, usuários da produção imobiliária.

O tema que destaco é a legislação urbanística da cidade de São Paulo. O Plano Diretor de São Paulo, revisado em 2023, e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo revisada no primeiro semestre de 2024, acabaram finalmente por trazer dois instrumentos bastante relevantes.

O primeiro refere-se a uma política de incentivo às REFORMAS, que permite ganhos historicamente inexistentes, principalmente financeiros, para os empreendimentos que optem pela recuperação e retrofit de edificações existentes ao invés da demolição total para construção de novos edifícios. Vale lembrar que a demolição total vem sendo uma prática recorrente e consolidada tanto para quem produz habitação quanto para quem as consome! Por aqui, sempre se valorizou mais o novo ao invés do antigo…

O segundo instrumento refere-se ao relevante estímulo financeiro ofertado para empreendimentos de uso misto situados em zonas de alta densidade construtiva, que ganham potencial construtivo e expressiva redução no custo da outorga onerosa referente ao metro quadrado adicional de construção, na medida que seja instalado junto com habitação de interesse social e de mercado popular em mesmo lote.

Em outras palavras, a política pública municipal traz, através de incentivos urbanísticos e financeiros, estímulos para reformar no lugar de construir obras novas, assim como também mesclar habitações destinadas a diferentes segmentos sociais em mesmo lote. A disponibilidade de ensaiar soluções que, ao mesmo tempo, trazem atrativos economicamente interessantes para o mercado e oportunidades ambiental, social e financeiramente importantes para nossas cidades e população, coloca à prova a cadeia completa da construção civil.

As leis, no entanto, não são garantidoras de mudanças comportamentais, principalmente no caso de práticas tão enraizadas em nossa sociedade, seja no mercado produtor, seja no mercado consumidor. Caberá à sociedade olhar para dentro e se perguntar se está disposta a aplicar tais instrumentos ou, em outras palavras, alterar determinados padrões de convivência e comportamento.

Seria, no mínimo, um aprendizado relevante participarmos de uma ação sinérgica entre projetistas, investidores, advogados, incorporadores e cidadãos, admitindo-se simular novas soluções para as cidades, novos produtos imobiliários, apostando nas reformas assim como também na mescla de grupos sociais em mesmo lote. Quais seriam bons desenhos e soluções para tais projetos? Quais modelos viáveis de incorporação para enfrentar novos problemas de gestão condominial? Quais dores? Quais oportunidades?

Enfim, muitos temas para investigar… e certamente uma chance de sairmos da zona de conforto e nos comprometermos com soluções para além de nossos quintais que, aliás, andam muito sem charme ultimamente…

Saudações Polifônicas!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbanista pela FAUUSP, mestre pela FFLCH (Filosofia, Letras e Ciencias Humanas), membro do Conselho Municipal de Politica Urbana (CMPU) e do Conselho de Proteção da Paisagem Urbana (CPPU). Prêmio Top Imobiliário Estadão — Luis A. Pompeia — Pensador de Cidades — 2023–2025.
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