Moro em uma casa da década de 1950 sem recuo em relação à calçada. É muito gostoso abrir a janela logo de manhã e dar de cara com a rua, ouvir a conversa das pessoas passando, me sentir parte da vida da cidade mesmo estando em casa.
Confesso, porém, que de uns anos para cá essa proximidade em relação à rua tem me causado certo transtorno. São Paulo é uma cidade extremamente barulhenta. Por incrível que pareça, a gente acaba se acostumando.
É tentar ver um filme na sexta ou no sábado à noite, porém, para me dar conta de como esse barulho pode ser incômodo. Especialmente quando o filme é nacional e, a cada moto de entrega acelerando na rua, sou obrigado a pausar ou mesmo retroceder o filme para a cena anterior.
O e-commerce e o delivery de refeições apresentaram um enorme crescimento nos últimos anos, impulsionados por avanços tecnológicos e mudança de hábito dos consumidores, além de terem contado com o empurrãozinho da pandemia.
Para os consumidores, além da comodidade de fazer compras sem sair de casa, eles podem representar uma economia significativa. Por não ter os mesmos custos associados a itens como aluguel e pessoal, o e-commerce costuma oferecer preços mais baixos em comparação às lojas físicas. Por mais alto que seja o custo da entrega, refeições em casa também costumam sair muito mais em conta do que fora.
Ganham os consumidores? Individualmente, talvez. Perde, porém, a cidade, a quem é imposta, por exemplo, os custos associados ao barulho das motocicletas. Esses custos sociais são o que chamamos em economia de externalidades negativas.
No caso das motos, elas não se restringem ao barulho, envolvendo também emissão de poluentes e sinistros de trânsito. Segundo estimativas da FGV Cidades, somente os sinistros e atropelamentos causados pelas motos gerariam um custo anual na casa dos R$ 160 milhões para a cidade de São Paulo.
Por outro lado, é verdade, não podemos ignorar a relevância das entregas na renda de muitos trabalhadores. Nem por isso devemos deixar de pensar em mecanismos que inibam a produção de externalidades negativas das motocicletas.
Infelizmente, somos educados a perseguir sempre os menores preços, sem levar em consideração que preços baixos podem esconder externalidades negativas, enquanto preços maiores podem estar associados a externalidades positivas. Sobre estas, gosto do exemplo das livrarias de rua.
Para mim, muito mais do que simples lojas que vendem livros, elas são ótimos lugares para se passar um tempo, ver gente, tomar um café, encontrar amigos, falar de livros. Também tornam os bairros mais vivos e interessantes.
Para além das práticas concorrenciais questionáveis das grandes plataformas de e-commerce, podemos dizer que, nos preços mais altos cobrados pelas livrarias de rua, também estão incluídos os benefícios sociais que elas geram para os consumidores e para a cidade.
Sabendo disso, só compro livros em lojas de rua. E mesmo quando pretendo fazer uma refeição em casa, prefiro fazer o pedido em um dos restaurantes do bairro e buscá-lo a pé. A simples presença de mais pessoas na rua, por sinal, pode ser uma externalidade positiva em termos de segurança e vitalidade urbana. Mais e-commerce, por sua vez, pode significar menos lojas e menos gente na rua.
É claro que não são as decisões individuais isoladas que vão resolver o problema das externalidades, de modo que ações reguladoras podem ser imprescindíveis. Ainda assim, hoje em dia, quando tanto se fala em responsabilidade socioambiental, me parece importante que também os consumidores levem em conta as implicações de suas decisões para a cidade, sejam elas positivas ou negativas.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.