Política habitacional ou financiamento da máquina pública?

23 de outubro de 2025

Considere um apartamento num centro urbano qualquer, de qualquer tamanho, bairro ou categoria, e procure saber o preço. Do valor encontrado, calcule 40% e você terá uma noção do impacto dos impostos e tributos incidentes, em cascata, desde o primeiro gasto até a entrega final, completinho, com tudo pronto. União, estados e municípios, poder judiciário e sindicatos, ninguém perde a chance de dar uma mordida.

A maior parte dos imóveis vendidos observa um formato de pagamento no qual 30% são pagos durante as obras e os 70% restantes na entrega. Essa última parcela será, na maior parte das vezes, quitada por meio de um financiamento bancário, tipicamente com prazo de 30 anos, adicionando outros 4% a 6% de juros reais (acima da inflação) a cada ano de financiamento. 

Numa conta rápida e pouco precisa, esses 70% se transformarão em 180% ou 190% ao fim do financiamento (além da inflação). O valor da unidade custará cerca de 2,5 vezes mais do que o valor inicial. Um apartamento com valor de 200 mil reais custará, ao final, desconsiderando a inflação, 500 mil reais ou mais.

Ainda assim, todos os agentes envolvidos na incorporação, venda e construção de um empreendimento terão tirado o seu sustento — e o justo lucro — de uma parcela equivalente a menos de 25% desse valor ampliado. Você não leu errado: todos os agentes, fabricantes, prestadores de serviços, funcionários, todos e tudo que esteja envolvido numa incorporação, numa obra, todos os que efetivamente participam, correm riscos, geram empregos e recolhem impostos precisarão dividir e estarão limitados a uma quarta parte do bolo.

Já a soma dos impostos, taxas, emolumentos, contribuições e outras verbas que irrigam o poder público e entidades coligadas, na casa dos 80 mil (de um custo inicial de 200 mil) reais, serão ainda mais generosas para um valor que cresceu até 500 mil reais. Os 80 mil terão, magicamente, crescido até a casa dos 150 mil reais (ou mais).

Naquele apartamento vendido por 200 mil reais, apenas 120 mil realmente tiveram vínculo com a construção e venda do apartamento, enquanto 150 mil acabaram nos cofres públicos e 230 mil como custo financeiro da operação de crédito ao longo de 30 anos. O que vemos aqui é um grande truque de espelhos que faz parecer que o interesse dos governos seja a produção de moradias, quando se trata, na realidade, de uma máquina desenhada para financiar o poder público.

Nessa realidade, subsídios não são nada além de uma cortina de fumaça, de mais espelhos nesse grande truque, onde o poder público fatura alto com uma mão e devolve uma pequena parte com a outra, sempre com uma narrativa populista, de ocasião.

Ao invés de incentivos pontuais, exceções e subsídios discricionários, uma política habitacional séria precisaria partir da reavaliação da carga tributária que sequestra 4 a cada 10 reais do custo total. Suponha uma carga real limitada a 10%: o apartamento de 200 mil tem seu preço reduzido para 140 mil reais. Financiado em 30 anos, custará 350 mil reais (ao invés de 500 mil reais). Menor o valor total, menor o valor da prestação, e maior a quantidade de famílias que se qualificam para a compra do apartamento.

A grande mudança, além da evidente redução, é que os apartamentos deixam de ser um instrumento de financiamento da máquina pública e passam a ser somente o que realmente deveriam ser: casa própria, patrimônio familiar, política habitacional.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
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