Planos Diretores, decretos e ambiguidades: por que é tão complicado saber o que pode construir?

28 de agosto de 2025

Principais normas indutoras do desenvolvimento urbano, Planos Diretores deveriam ser acessíveis e de fácil compreensão para os maiores interessados: os munícipes. Porém, jargões técnicos e lógicas complexas tornam difícil para o cidadão comum compreender, analisar ou opinar sobre o que está sendo proposto. Sem a visualização prévia dos resultados que produzirá, a norma é aprovada com diretrizes que terão de ser corrigidas ou complementadas por decretos e novas regulamentações. O produto final, portanto, não está unificado no plano, mas disperso em uma série de documentos que, muitas vezes, conflitam entre si.

O urbanista Alain Bertaud, em seu livro “Ordem Sem Design”, revela como o zoneamento de Nova York se tornou tão complicado que apenas especialistas em direito imobiliário e legislação urbanística conseguem calcular o potencial construtivo de cada terreno — reservando o mercado apenas a quem pode arcar com custos técnicos elevados. Em cidades brasileiras, não é diferente. Frequentemente são definidas áreas onde os regramentos diferem daqueles que vigoram no restante da cidade. Esse tipo de sobreposição impede que o munícipe saiba o que se aplica ao seu terreno ou se a vista de seu imóvel poderá ser obstruída por um novo edifício.

A problemática reside, então, na dificuldade de acesso à informação: como o cidadão descobre se seu terreno está incluído em alguma dessas regiões e o que (ou quanto) pode construir nele? Se a informação é exigida pelo poder público, ele também deve ser responsável por disponibilizá-la em formato acessível a toda a população. 

Mas o que configura uma informação verdadeiramente acessível? Municípios tornam públicos seus planos diretores, leis complementares, decretos, código de obras e afins. No entanto, conforme abordado neste artigo do jornal O Tempo, disponibilizar textos de lei e dados por si só não configuram acessibilidade, se ainda é necessário cruzar e sobrepor diversos documentos e bases dispersas para chegar na resposta. Esta pode residir, ainda, em minúcias de alguma regulação. 

Surgem assim casos dramáticos: imagine um empresário que analisa apenas o Plano Diretor antes de comprar um terreno para instalar seu comércio e, depois de fechar o negócio, descobre que uma instrução normativa ou decreto se sobrepõe à lei e veta a atividade ali. Por desconhecer esse dispositivo oculto, perdeu seu investimento. Esse é um dos exemplos do porquê é fundamental priorizar a divulgação clara e atualizada das regras urbanísticas.

Mesmo quando um único documento versa sobre determinado tema, a informação não é clara. Descrever que “o recuo lateral é igual à altura menos 6 dividido por 10, com valor mínimo de 3 metros” impede a visualização do efeito da regra no espaço. Feita assim, a comunicação restringe o entendimento a especialistas, afasta o cidadão, repele investidores e gera insegurança jurídica.

Esse ciclo começa a ser interrompido por plataformas de tecnologia que incorporam a legislação urbana em mapas interativos — gêmeos digitais — e apresentam o que de fato pode ser construído em cada lote, quais atividades podem ser exercidas ali, etc. Se soluções assim esclarecem o munícipe, elas são ainda mais úteis aos que realizam a revisão de Planos Diretores, ao possibilitar a visualização dos efeitos que seus diferentes parâmetros produzirão no espaço urbano.

Programa de simulação de parâmetros urbanísticos para Planos Diretores. Fonte: Plataforma PLACE

Boas intenções não garantem o sucesso de um Plano Diretor. Ao propor os instrumentos que regerão o crescimento da cidade na próxima década, é fundamental incorporar, da sua revisão à sua vigência, soluções que esclareçam visualmente quais resultados e regras a norma produzirá.

Marina Marques, analista de dados, arquiteta e urbanista do Place.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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