Plano Diretor: uma ferramenta obsoleta de gestão urbana

27 de setembro de 2023

Muitas cidades do mundo ainda precisam preparar planos diretores de tempos em tempos. No Brasil, cidades com mais de 20 mil habitantes têm que elaborar um plano a cada dez anos, com atualizações periódicas.

Os planos diretores tinham dois objetivos originais. Primeiro, coordenar os investimentos entre os vários departamentos da cidade e, segundo, informar e permitir a participação pública nos investimentos urbanos propostos e nas regulamentações de uso do solo.

O objetivo dos primeiros planos de urbanização na Grécia antiga, do Commissioners’ Plan de Nova York, do plano de L’Enfant’ para Washington, ou do plano de Cerdà para Barcelona era criar limites claros entre os lotes privados e os espaços públicos, como ruas, parques e edifícios públicos. Eles não eram planos diretores no sentido moderno, pois não definiam como os lotes privados seriam construídos nem restringiam seu uso.

O público debateu calorosamente esses planos porque eles mostravam quanta terra seria subtraída das propriedades privadas para acomodar ruas, parques e edifícios públicos.

O plano de Brasília provavelmente foi o primeiro preparado para uma grande cidade que forneceu um projeto completo, que incluía não apenas estradas, parques e prédios públicos, mas também áreas habitacionais e comerciais, todas projetadas detalhadamente. Após a Segunda Guerra Mundial, os governos nacionais da maioria dos países impuseram às grandes cidades a obrigação de preparar planos diretores decenais que se inspiravam mais nos planos quinquenais da União Soviética do que no traçado de ruas de L’Enfant ou Cerdà.

O conceito do plano diretor moderno baseia-se numa má compreensão da natureza das cidades. As cidades, com exceção de Brasília e de outras novas capitais criadas numa tábula rasa, não são simplesmente edifícios complexos muito grandes que os urbanistas e arquitetos devem projetar detalhadamente antes de serem construídos.

As cidades modernas são construídas principalmente através do talento, da criatividade e do espírito empreendedor dos seus habitantes e empresas. Estes habitantes e empresas respondem às restrições do mercado e aos choques externos periódicos, como conflitos, inflação, mudanças tecnológicas ou, recentemente, pandemias e o aumento do trabalho remoto.

O papel do governo municipal continua essencial, mas ele deve apoiar a inovação dos muitos empreendedores e lares que se adaptam às mudanças. O papel do governo é principalmente fornecer a infraestrutura primária que permite a comunicação rápida entre diferentes partes das cidades em expansão, o acesso universal a serviços sociais como a justiça, a educação e a saúde, a monitorização da qualidade do ambiente e a fiscalização de perturbações.

A flexibilidade e agilidade necessárias para responder a choques externos que ocorrem regularmente, mas são imprevisíveis, são mal servidas por um plano detalhado preparado uma vez a cada dez anos sob a forma de um plano diretor.

O governo municipal precisa de um departamento de planejamento forte e bem equipado, que monitore ao menos trimestralmente o desenvolvimento demográfico e econômico da cidade. Esse monitoramento deve incluir indicadores que reflitam os preços dos terrenos e da habitação e o tempo de viagem dos vários bairros e faixas de renda.

Os planejadores também devem desenvolver indicadores que reflitam a acessibilidade dos serviços sociais, o acesso físico e a qualidade ambiental da cidade. Os governantes eleitos devem estabelecer os valores mínimos ou máximos dos indicadores que desencadeiam ações municipais urgentes e exigem investimentos prioritários.

Não estou propondo aqui uma cidade dirigida por tecnocratas. Pelo contrário, a seleção das prioridades dos municípios depende de prefeitos e câmaras municipais fortes. Não existe uma forma científica de escolher as prioridades de uma cidade limitada por orçamentos municipais apertados. As prioridades de investimento municipal e quem irá pagá-las através de impostos são decisões políticas. No entanto, o plano de ação política e as estratégias de implementação devem ser apoiados por uma equipe de planejamento permanente forte e competente, com acesso a dados urbanos em tempo real.

Esta proposta é um forte contraste com a forma como os planos diretores são utilizados atualmente. Os planos diretores exigem um esforço considerável e caro de um time de consultores temporários, ao longo de dois a três anos, para preparar um projeto que normalmente se torna obsoleto assim que é concluído.

Os planos diretores típicos são necessariamente feitos de cima para baixo, mesmo quando afirmam que as audiências públicas foram conduzidas de forma justa. Um público bem informado pode participar melhor na tomada de decisões tendo acesso a indicadores claros que mostram o desempenho da cidade ao longo do tempo sob diferentes estratégias e lideranças políticas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Urbanista, pesquisador do NYU Marron Institute e autor do livro Ordem sem Design.
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