Paris e os patinetes: um retrocesso

9 de abril de 2023

No domingo passado, 2 de abril, cerca de 100 mil parisienses votaram contra a renovação das licenças de operação das empresas de patinetes compartilhadas na cidade, Lime, Dott and Tier. A prefeita, Anne Hidalgo, acatou a decisão e, a partir de 1 de setembro deste ano, Paris (cidade pioneira na adoção das patinetes de aluguel em 2018) deixará de ter 15 mil desses veículos de micro mobilidade. Certamente, será uma grande perda para a cidade, apesar de todos os constrangimentos causados por esse meio de transporte.

Há várias razões para o desgosto de alguns parisienses e seus respectivos representantes políticos pelas patinetes de aluguel: direção ofensiva, estacionamento selvagem e insegurança são alguns deles. São razões válidas, mas expulsar os operadores da cidade não vai resolver esses problemas, muito pelo contrário, vai piorá-los.

Anne Hidalgo vai se aperceber rapidamente que eliminar a oferta não elimina, automaticamente, a demanda. Os clientes dessas empresas não vão, de um dia para o outro, deixar de usar patinetes. Ou melhor, alguns vão optar por outros meios de transporte, como o temido carro particular. Estima-se que a venda de patinetes particulares vai crescer 200% a partir de 1 de setembro.

Mesmo antes do referendo de 2 de abril, a venda de patinetes na França tem demonstrado um crescimento sólido e consistente. O que pode vir a acontecer é uma substituição: menos patinetes de aluguel e mais patinetes particulares. Aí sim, vamos ter outro tipo de problema.

Patinetes particulares e patinetes compartilhadas

A cessação da operação dos serviços de patinetes compartilhadas resolverá os problemas de insegurança, estacionamento e imprudência? Não! 

A eliminação de patinetes de aluguel levará a uma explosão de patinetes pessoais de fabricação barata, de baixa qualidade, sem sistemas de GPS e geo-fencing, de baixa tecnologia, sem data sharing com a prefeitura, sem limitadores de velocidade, sem iluminação adequada e pintadas em cores mais escuras. Esses veículos serão comprados on-line a baixo custo por rapazes de 14 anos. Paris irá enfrentar um novo problema: esses veículos podem rapidamente se tornar num pesadelo para deficientes visuais e outros grupos vulneráveis.

Por pior que possa ser o serviço de e-scooter sharing, o operador funciona como um parceiro, um mediador de segurança e confiança entre a cidade e o usuário do sistema. Retirá-lo da equação não é a solução. Enquanto o operador zelava pela sua frota, fazia recolhas frequentes de veículos, renovava a oferta, trocava as baterias, ou seja, estava presente no terreno, o usuário do patinete particular não terá o mesmo cuidado.

Dentre os vários desafios que se avizinham, posso pensar em alguns, por exemplo: com a inexistência de um sistema de geo-fencing embebido no patinete particular, qual será o incentivo para o usuário estacionar o seu veículo no local demarcado? Quantas pessoas vão simplesmente abandonar os seus veículos em fim de vida? Quem vai recolher um veículo rebocado?

É verdade, os sistemas dockless são caóticos by default, mas têm melhorado. É imprudente comparar a realidade dos patinetes de aluguel em 2018 e hoje. Pelo mundo afora, muitas cidades conseguiram com sucesso disciplinar esses serviços, através de modelos de regulação eficientes que maximizam os benefícios e minimizam os impactos negativos.

Somado a isso, os operadores — que inicialmente eram pouco colaborantes com o poder público — nos últimos anos têm participado ativamente na resolução de problemas e no desenvolvimento dos regulamentos municipais. A decisão de Paris é um retrocesso. Todos sabemos, muito bem, qual o meio de transporte que mais impacta negativamente as nossas cidades: o carro particular.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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