“Parecia tudo parecido” é o título de um livro infantil que costumo ler à noite para meus filhos. Ele aborda como a imaginação e a criatividade das crianças transformam em aventura e diversão a aparente banalidade da repetição dos dias.
Eis aí uma das principais vantagens de ser criança (além de não ter boletos a pagar, é claro): para elas, tudo parece novidade, descoberta. Tudo aquilo que para nós, adultos, é óbvio, banal, rotineiro, para elas parece conter infinitos mistérios e possibilidades.
O que encaramos como “estranheza”, afinal, talvez seja o “normal” para as crianças, para quem sonhos, imaginação e lembranças parecem conviver e se misturar o tempo todo com isso que nós, adultos, chamamos de “realidade”.
“Parecia tudo parecido”, coincidentemente, foi também o que me disse um amigo que acabara de voltar de uma viagem pela Europa. “Sim, cada pequena cidade guarda seus traços culturais e arquitetônicos particulares”, ele reconhecia, mas muitas estariam se transformando em mera cenografia, parques temáticos dominados pelo turismo. “Veneza ou Bruges se tornaram cidades fake”, reclamou ele, hiperbólico.
E as grandes cidades também estariam passando por um processo de padronização. “Seja em Paris ou Berlim, apartamentos, lojas, bares ou restaurantes estão cada vez mais parecidos, a decoração invariavelmente oscilando entre os pastiches para turistas e a pretensa autenticidade da estética hipster”.
Por mais exageradas que pareçam, suas observações não deixam de fazer algum sentido, e essa sensação de que cidades pelo mundo estão cada vez mais parecidas, quando não se tornando meros cenários, pode ser atribuída a fatores como a globalização, o surgimento de novos modelos de negócios (plataformas de aluguel de curta duração, por exemplo), a proliferação de grandes redes de lojas e restaurantes e a própria expansão do turismo de massa.
Parecem ter contribuído para o agravamento desse quadro as redes sociais, que favorecem a rápida disseminação de modas e tendências, influenciando desde a decoração dos espaços até a oferta de bares, restaurantes, o estilo de vida e o comportamento dos consumidores.
“Não há cidade hoje na qual você não encontre pelo menos um corredor de guarda-chuvas coloridos e um letreiro gigante de declaração de amor à tal cidade. E o artesanato local é todo produzido na China, é claro”, não poderia ter deixado de observar com ironia meu amigo.
Para os críticos, como ele, os principais problemas dessa padronização estariam relacionados ao empobrecimento cultural da sociedade decorrentes do fechamento de estabelecimentos tradicionais, da expulsão de antigos moradores e da perda da memória e da identidade local, conforme discutido recentemente em reportagem do DW Brasil sobre os bairros históricos de Lisboa.
Para mim, esse fenômeno pode trazer um problema adicional. Também gosto de viajar para conhecer novos lugares, mas confesso que minha principal satisfação quando viajo, mais do que simplesmente conhecer, é não reconhecer exatamente onde estou e, com isso, reviver aquele entusiasmo e estranhamento da infância, quando tudo é descoberta e parece novo e misterioso.
Quando nos tornamos adultos, o mundo parece inevitavelmente se tornar mais racional, utilitário e perder um pouco daquela magia. Com sorte, porém, ainda é possível reviver esporadicamente aquele estar sempre sonhando que é a infância. Costumo experimentar esse sentimento em viagens para lugares desconhecidos.
Porém, com a disseminação desenfreada das imagens nas redes sociais e cidades cada vez mais parecidas ou meramente turísticas, até que ponto é possível realmente não reconhecer um lugar?
Pode ser exagero ou apenas nostalgia, reconheço, mas esse mundo hiperconectado também pode significar menos oportunidades de voltar a ser criança e olhar encantado para um lugar como se realmente fosse a primeira vez…
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.