No ônibus a caminho do trabalho, passando pela Rua da Consolação, quase no cruzamento com a Avenida Paulista, me chama a atenção a publicidade de um novo empreendimento imobiliário: “o rooftop mais alto de São Paulo”.
Poucas semanas antes, ao perguntar ao corretor de imóveis se outro novo empreendimento teria ou não uma passagem conectando a Rua da Consolação ao interior da quadra do Copan, ele me respondeu que não, mas que, em compensação, o prédio teria “o maior rooftop do centro da cidade, com 500 m²”.
A verticalização, como se sabe, pode desempenhar um papel fundamental no desejado adensamento populacional das áreas centrais da cidade. Nesse sentido, crescer para o alto pode ser sinônimo de sustentabilidade e eficiência, evitando o espraiamento urbano. Também sabemos que a moda dos rooftops não é nova nem exclusiva de São Paulo.
Tenho a sensação, porém, que ao menos na capital paulista essa moda seja reforçada por uma espécie de escapismo, por um certo desejo de estar o mais longe possível das ruas e dos problemas da cidade. Lá do alto, afinal, poluição, degradação, desigualdade, insegurança, o cinza, o abandono, o descaso e o barulho, tudo parece simplesmente desaparecer.
Ao contrário dos rooftops, térreos ativos quase nunca fazem parte da publicidade dos empreendimentos imobiliários, e espaços para lojas no térreo vêm sendo implantados principalmente por causa dos incentivos construtivos associados – resultando, muitas vezes, em “fachadas ativas de fachada”.
O movimento de valorização dos rooftops, por sua vez, não se limita aos empreendimentos residenciais, particularmente na região central, onde também notamos a proliferação de bares, baladas e restaurantes no alto dos prédios, nem sempre acompanhada pela ativação dos térreos e das calçadas do entorno.
Além da vista panorâmica da cidade, um importante atrativo desses empreendimentos no alto dos prédios é a sensação de segurança. Contudo, conforme analisa Pedro Vada, professor de urbanismo da Escola da Cidade, em matéria do G1, “para o público desses locais, o Centro vira um ambiente exótico, um verdadeiro safári”.
“É um safári de um ambiente que poderia ser perigoso, mas está controlado. O térreo vai continuar com os mesmos problemas e ainda tem toda uma relação com as pessoas que querem estar nesses lugares, mas não vêm para o Centro. Eles não pegam metrô, eles vêm de carro, sobem e depois vão embora”, continua.
“Eles chegam em ambientes megacontrolados, com segurança, sobem em um prédio e ficam completamente isolados do que acontece embaixo, ficam só com a paisagem maravilhosa”, completa.
Também adoro contemplar a cidade do alto, especialmente à noite. “Em São Paulo, a poluição e o excesso de luzes escondem as estrelas; uma espécie de céu iluminado, contudo, se revela quando olhamos a cidade de cima, e podemos, então, voltar a sonhar”, li algo mais ou menos assim certa vez.
O atual fetiche pelos rooftops, porém, me parece mais um sintoma da nossa crise urbana, caracterizada, entre outros fatores, pelo isolamento das pessoas em espaços privados. E a solução para essa crise passa por voltar a sonhar com espaços públicos compartilhados e ruas seguras, vibrantes e cheias de gente.
Novos mirantes e terraços são muito bem vindos, até porque costumam atrair visitantes em busca de uma vista panorâmica das cidades. Eles não deveriam, contudo, se configurar como fuga e distanciamento das ruas, onde a vida urbana de fato acontece.
Ao contrário da tendência apontada pela publicidade, térreos realmente ativos – e não os rooftops – é que deveriam ser os elementos mais valorizados nos empreendimentos imobiliários.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.